O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou hoje a Novonor (a antiga Odebrecht) a pagar uma indenização de mais de R$ 8 bilhões à Braskem — no âmbito de uma ação por abuso de poder de controle movida em 2018 por dois minoritários da companhia, um deles o investidor Lírio Parisotto. 

A decisão foi proferida na primeira instância, e os advogados da Novonor ainda poderão recorrer.

O caso pode estabelecer um precedente relevante na fiscalização, por parte dos minoritários, das ações dos controladores. A ação por abuso de poder de controle é prevista no artigo 246 da Lei das SA — e é vista como o mais poderoso (senão o único) instrumento que os minoritários têm para fazer a companhia ser indenizada por abusos do controlador, já que uma controlada nunca vai entrar com um processo contra seu controlador. 

A ação foi impetrada inicialmente por José Aurélio Valporto de Sá Júnior, um acionista minoritário da Braskem. Meses depois, Lirio Parisotto — na época o maior acionista minoritário da petroquímica — juntou-se ao processo como assistente litisconsorcial. 

O financiamento do processo foi feito pela Prisma Capital — a gestora de investimentos alternativos com R$ 15 bilhões sob gestão — num tipo de investimento conhecido como litigation finance.

A ação alega que a Odebrecht exerceu seu poder de controle de “forma abusiva”, causando danos à Braskem em três situações.

A primeira seria o desvio de R$ 513 milhões do caixa da Braskem para o pagamento de propinas a autoridades e executivos da Petrobras, o que se tornou público nos acordos de leniência da Odebrecht na Lava Jato. 

A segunda situação seria o pagamento de US$ 10 milhões que a companhia teve que fazer aos detentores de seus ADRs por conta da corrupção em que se envolveu.

A terceira seria o pagamento de R$ 3,1 bilhões em sanções pecuniárias que “não foram assumidas pelas controladoras e estão sendo suportadas exclusivamente pela Braskem, em detrimento de seu próprio patrimônio social, dos acionistas minoritários e demais stakeholders,” segundo o processo.

Dentre as maiores empresas envolvidas na Lava Jato, a Odebrecht foi a única a empurrar o pagamento da leniência para uma controlada. 

A ação pede que a Novonor indenize a Braskem com esses valores, que, corrigidos pelo INPC, somam hoje mais de R$ 8 bilhões. 

Depois de mais de seis anos, o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli proferiu sua decisão — considerando a ação dos minoritários procedente. 

Na sentença de 44 páginas, o juiz diz que as “rés reconheceram expressamente em seu acordo de leniência que foram as responsáveis pela criação do amplo, complexo e sofisticado esquema de corrupção.”

O juiz notou ainda que a Odebrecht era acionista majoritária e controladora da Braskem; influenciava de forma direta e inquestionável na eleição dos gestores da companhia; e aprovou as contas da Braskem, “ano após ano.”

Ele disse ainda que executivos e funcionários da Odebrecht desempenhavam funções estratégicas na Braskem e atuavam de forma decisiva para que a Braskem “aceitasse, aderisse e passasse a se comportar como parceira no departamento de propinas dentro da Odebrecht e de suas controladas.”

Um dos argumentos da defesa da Novonor foi de que os valores gastos com corrupção deveriam ser compensados com os ganhos gerados pela mesma corrupção.

Sobre esse argumento, o juiz foi taxativo: 

“O negócio da Braskem sempre foi e continuará a ser sólido e profícuo. Atribuir o sucesso da Braskem ao comportamento ilícito das rés é menosprezar o potencial da Braskem, assim como é menosprezar o próprio mercado.” 

“Possivelmente, com executivos sérios e sem a interferência nefasta do controlador que teve, a Braskem teria alcançado os mesmos níveis de sucesso. Possivelmente, se não tivesse focado em evoluir por meio da corrupção, a Braskem teria desenvolvido meios de evoluir de maneira eficiente e chegar no mesmo lugar de sucesso. E por que não em um lugar melhor? E quem poderá definir isso de forma segura, sem um exercício recheado de imaginação e suposições? As rés?”

Além da indenização, o juiz determinou que a Novonor pague um prêmio de 5% do valor da condenação aos acionistas minoritários que entraram com ação (José Aurélio Valporto e o fundo Geração Futuro, de Lírio Parisotto), um valor da ordem de R$ 400 milhões. 

A Novonor também terá que pagar 20% do valor da condenação para cobrir as despesas processuais e os honorários advocatícios dos advogados contratados pelo autor do processo e pelo assistente litisconsorcial (Parisotto) — algo em torno de R$ 1,6 bilhão. 

“Esse caso cria um precedente histórico para o mercado de capitais brasileiro, já que é a primeira ação por abuso de poder de controle que vai gerar uma indenização,” disse um advogado que trabalhou no caso.

Já houve outros dois julgamentos procedentes de ações deste tipo, mas um deles — uma ação de um minoritário da Petroquisa contra a Petrobras — acabou quando a Petrobras incorporou a Petroquisa. 

O outro — de um minoritário da JBS contra sua controladora, a J&F Investimentos — foi extinto depois que a JBS entrou com uma ação em paralelo para concorrer com a do minoritário.

“Esse processo é mais uma chance para o artigo 246, que foi colocado na lei como central, mas acabou se provando um instrumento sujeito sempre à burla do controlador,” disse o advogado. 

Os advogados dos autores foram o Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados, TWK Advogados, Gustavo Gonzalez Advogados e o Modesto Carvalhosa Advogados.

Pela Novonor atuaram o Guedes Nunes Advogados e o E.Munhoz Advogados.