Até o homem mais rico do Brasil está cansado da polarização que domina o debate político no País há anos.  

“Não acredito nesse negócio de que é de esquerda, é de direita,” disse Jorge Paulo Lemann. “O que tem quer ser feito [no Brasil] ? Vamos fazer o prático. Provavelmente, isso é mais ou menos pelo meio, nem de esquerda nem de direita, acho que é isso que está faltando.”

Os comentários foram feitos em entrevista ao Podcast Rio Bravo, que está no ar desde 2007 e chega hoje à sua 500ª edição como um dos mais longevos do País. 

Na entrevista ao host Fábio Cardoso, Lemann também fez um exame de seu principal erro – o foco nos resultados de curto prazo que levou à derrocada do Garantia – e criticou as startups ‘técnicas’, que não querem o lucro, mas sim “uma história bonita para tomar dinheiro de todo mundo que quer investir em startup”. 

A seguir, alguns trechos da conversa, que pode ser ouvida na íntegra no SoundCloud da Rio Bravo

Rio Bravo: Poderia comentar seu principal erro?

Lemann: Eu acho que o principal erro que houve do Garantia é que ele era uma organização muito visando o curto prazo e atraía gente boa de gerar resultado no curto prazo. Tinha o bônus semestral… Bônus semestral é período muito curto. Você transformava as pessoas em sócios também. Isso já era uma coisa mais longa, mas basicamente a maior parte da turma do Garantia estava lá porque era um lugar que dava para ganhar dinheiro, então isso gerava uma visão muito de curto prazo e não uma visão de querer construir uma entidade perene. 

Rio Bravo: Um pouco dessa experiência, ou bastante dessa experiência, foi importante para as empresas seguintes?

Lemann: Foi, porque quando nós decidimos vender o Garantia nós mais ou menos sabíamos que ou ele tinha que mudar muito ou não ia pra frente. O ‘mudar muito’ era complicado, porque a cultura toda era curto prazista etc. e nós, já naquela época, tínhamos Lojas Americanas, Brahma etc.. Iam bem e tínhamos a oportunidade de construir mais coisas para o longo prazo e aí a decisão foi, “Bom, esse negócio daí é bom, mas não está funcionando muito bem no momento, vamos saltar fora de uma maneira que ninguém tenha prejuízo”. Alguns sócios quiseram continuar, outros não. O Garantia continuou, está aí ainda com o Credit Suisse e nós, os que queriam sair, fomos cuidar das nossas vidas. E aí, nessas outras entidades, a visão estratégica passou a ser muito mais de construção a longo prazo, de atrair gente que queria construir no longo prazo.

Rio Bravo: O senhor percebe um pouco dessa energia em ganhar dinheiro rápido nas startups?

Lemann: Eu acho que startup, em geral, é de gente que não tem dinheiro, então há um objetivo. O que é curioso na startup é que, antigamente, a maneira de ganhar dinheiro rápido era fazendo alguma operação que desse lucro ou montando uma empresa que desse lucro. E, com a maioria dessas startups ‘técnicas’, o objetivo não é o lucro, o lucro de balanço, o objetivo é gerar uma história que você vai captar mais dinheiro de novos investidores, então mudou a ótica de ganhar dinheiro na empresa para ter que fazer uma história bonita para tomar dinheiro de todo mundo que quer investir em startup. Então, mudou um pouco, mas eu acho que tem muita startup aí que o pessoal está levantando dinheiro a preços absurdos.

Rio Bravo: Como é que o senhor percebe os desafios que o Brasil tem à frente? Existem motivos para acreditar no Brasil?

Lemann: Tem muita coisa boa aqui. Em todo lugar que eu vou tem algum sujeito começando alguma coisa e com sucesso. Tem muito disso, que não tinha antigamente. Você não tem briga, aqui é um lugar pacífico. Acho que o brasileiro quer melhorar, isso é bom também. Está faltando é botar um pouquinho mais de ordem nas coisas, ter uma governança melhor, mais meritocracia, mais gente que queira trabalhar junto. Não acredito nesse negócio de que é de esquerda, é de direita. Vamos resolver. Como é que resolve? O que tem que ser feito? E vamos fazer o prático. Provavelmente, isso é mais ou menos pelo meio, nem de esquerda nem de direita, então acho que é isso que está faltando.

Rio Bravo: É possível, guardadas as respectivas proporções, replicar o método 3G na área pública?

Lemann: Eu nunca estive na área pública, eu não sei como é que é. Acho que tem dificuldades enormes na área pública. Você não pode despedir, você não pode remunerar bem às vezes, a área pública muitas vezes não é meritocrática. Quer dizer, você não escolhe os melhores…

Rio Bravo: Em tese, com o concurso público, os melhores são recrutados.

Lemann: Em tese, mas fora isso tem muita coisa. Quer dizer, o presidente do Brasil nomeia 20 pessoas de saída. Você vai na Inglaterra e o governo tem 400 mil funcionários públicos. Você sabe quantos são nomeados politicamente dos 400 mil funcionários públicos?

Rio Bravo: Quantos?

Lemann: Cem.