Se o sequestrador invadiu sua casa e está com a arma encostada na sua cabeça, não é hora de ser valentão nem orgulhoso. Não é hora de dizer, “vá à merda, bandido! Eu morro como herói!” 

Você tem família, filhos.

Se o sequestrador apertar o gatilho, sua família vai sofrer – e lamentar que você tentou ser altivo. Passado seu enterro e o luto, os amigos dirão que você foi otário. “Reagiu com emoção, não com a razão.” 

O mundo vive um momento inédito e sombrio. As instituições já não eram o que costumavam ser – nem aqui, nem lá fora. Quase todas perderam credibilidade; algumas, o bom senso. As velhas referências não existem mais.

Por tudo isto, ao lidar com os desafios deste mundo distópico, para ser eficaz um líder precisará ter sangue frio, criatividade e visão estratégica. Estamos num jogo de xadrez, não numa rinha de galo. É hora de Churchill, não de Perón.

A família Bolsonaro jamais poderá ser perdoada pelo crime de traição que cometeu contra o País. E se a coisa ainda piorar, como é provável, não poderão alegar que não sabiam das consequências. Agiram com dolo, jogando o País no imponderável.

A saída desta barafunda cabe também a eles.

O noticiário dos últimos dias e os grupos de Whatsapp mostram que os dois extremos estão adorando esta tragédia. Os lulistas, que andavam fora de moda, ganharam nova narrativa, um novo motivo para existir: resistir. Já os bolsonaristas acham que deram uma chave de pescoço no Supremo – sem se incomodar de levar o País junto.

Desde a eleição de 2018, este jornal se posicionou avesso a estes dois polos da política nacional.

“Nem PT nem Bolsonaro”, escrevemos então, e continuamos esperando o surgimento de uma onda de centro, com uma plataforma pragmática, liberal na economia e com empatia pelo ser humano. Pode ser que este dia nunca chegue, mas o País que está aí não orgulha ninguém que tenha dois neurônios. 

O Brasil sofre de mediocridade crônica na economia. O Estado só sabe se financiar aumentando impostos. O Congresso continua aprovando benesses como se nada estivesse acontecendo. A eficácia e a correção do Poder Judiciário sofrem questionamentos diários. De bônus, o crime organizado avança sem que o Executivo tenha respostas.

E como se todas essas desgraças não bastassem, continuamos DESUNIDOS, divididos por agendas paroquiais e sem sequer aceitar os mesmos FATOS como base para uma discussão.

É muito difícil dar conselhos em meio a uma crise como essa — particularmente dado seu ineditismo e caráter surreal. 

Mas é de uma obviedade acaciana que, se o Brasil tentar escalar suas respostas à chantagem da Casa Branca, a economia brasileira pode entrar numa espiral de deterioração que não interessa a ninguém, e certamente será mais punitiva sobre os mais vulneráveis – como sempre.

Aqui, há de se questionar se os dois pólos da nossa política têm mesmo o patriotismo que vomitam, ou se seu “patriotismo” é apenas uma ferramenta para atingir agendas pessoais e partidárias.

Talvez nós – o centro democrático e pragmático, a maioria silenciosa que decide eleições – sejamos reféns duplos: de Donald Trump e de nossos políticos.  O primeiro produziu a crise; os outros estão tentando faturar com ela, ou ganhando uma anistia, ou pontos no ibope pela “valentia”. 

O Supremo também precisa ser instado a não dobrar a aposta a cada rodada.

Num artigo publicado hoje – de raro bom senso, em meio às torcidas organizadas que estão comentando o assunto – o professor da USP, Pablo Ortellado, nota que o STF “precisa evitar ser percebido como parcial.” 

Ortellado argumenta que o Supremo acertou ao agir com vigor para defender a democracia desde o Governo Bolsonaro – mas observa que esta defesa tem seu custo e exige calibragem fina.

“Ao adotar uma resposta “militante” contra o bolsonarismo, para tentar defender a democracia, a Justiça contém certos arroubos, mas também amplia a crise, fazendo os bolsonaristas — que já não confiavam na democracia atual — sentirem que são ainda mais perseguidos e que definitivamente não há lugar para eles no “sistema”. A contraofensiva populista então se intensifica, alimentando uma espiral de radicalização,” escreve o professor.

E dá o melhor conselho que os membros do Supremo poderiam ouvir:

“Se o STF entendeu que precisa adotar a tese da democracia militante, ele precisa se tornar político por inteiro, e não apenas pela metade. Hoje, ele é político ao agir duramente na proteção das instituições democráticas, mas não é político ao não se preocupar com como suas ações podem ampliar a crise da democracia.”

O Brasil está nas mãos de uma liderança global imprevisível, um Presidente com popularidade em queda e um ex-Presidente irresponsável.  

Somos reféns dos três – e cada um deles pode fazer esta crise piorar muito.

Há algum adulto em Brasília?