Os números do reinado de Jack Welch à frente da General Electric impressionam. Quando assumiu a direção do conglomerado, em 1981, a companhia valia US$ 14 bilhões. Vinte anos depois, seu valor de mercado atingiu US$ 600 bilhões.

Welch cumpriu sua ambição de elevar a GE ao posto de empresa mais valiosa do mundo. Mas todo esse sucesso “obscurecia verdades tenebrosas”, argumenta o jornalista David Gelles, autor do livro “The Man Who Broke Capitalism” (Simon & Schuster, 272 pgs.), biografia do executivo americano que acaba de sair nos EUA.

Aclamado em seus anos de glória como herói do capitalismo e maior CEO do século, Welch, na biografia de Gelles, sai como vilão.

O autor, que é repórter do New York Times, traça um perfil envolvente de Welch e suas motivações. Peca, no entanto, ao carregar a mão quando retrata o executivo como um grande Darth Vader que corrompeu o virtuoso capitalismo americano da geração baby boomer do pós-guerra.

Engenheiro químico nascido em Boston, John Francis Welch Jr. sempre demonstrou ambição, mas não era a escolha mais óbvia quando foi nomeado CEO da GE. Assumiu o posto um dia depois da eleição de Ronald Reagan para a Casa Branca, que teve o mote (original) de “Make America Great Again”.

Welch surfou como poucos as reformas liberais do Reaganomics. Anteviu as ameaças e oportunidades da globalização e virou a administração da GE pelo avesso, levando a empresa a novos setores, como a mídia e os serviços financeiros, mas afastou-a irremediavelmente dos valores que haviam tornado a GE um dos maiores símbolos da indústria do século 20.

Na obsessão pelos resultados de curto prazo, corrompeu o legado industrial da companhia. Mais que isso, o livro sustenta que Welch forjou uma cultura deletéria que inspirou outros executivos a perseguir o lucro “a qualquer custo” – o que descambou para fraudes contábeis e o declínio de algumas corporações.

“Como chairman e CEO da General Electric de 1981 a 2001, duas décadas que plasmaram o mundo em que vivemos hoje, Welch exerceu uma influência sem precedentes no capitalismo americano”, argumenta Gelles. Uma influência, na sua avaliação, associada ao que existe de menos positivo no mundo empresarial.

A empresa fundada por Thomas Edison em 1892 contribuiu para desenvolver as lâmpadas elétricas, os aparelhos de raio-x, as turbinas de avião e as usinas nucleares. Era reconhecida pela qualidade de sua engenharia e inovação tecnológica. Dois de seus cientistas ganharam o Nobel – um de Química, outro de Física.

Nos anos 1980, contudo, passou a enfrentar a competição dos japoneses e de outras companhias asiáticas. Era se reinventar ou definhar.

A resposta de Welch foi reduzir custos ferozmente, transferir partes da produção para outros países onde os custos eram menores e investir em operações financeiras. Esvaziou os departamentos de pesquisa, enxugou a folha de pagamento, terceirizou o que pôde e despejou suas fichas na expansão do braço financeiro da companhia, a GE Capital, que emergiu como a divisão responsável pela maior parte dos lucros.

O rabo passou a abanar o cão. Welch percebeu que, pelo tamanho da empresa e seu crédito triple-A, a GE podia fazer operações alavancadas financiadas a crédito barato.

A engenharia financeira, incentivada por benefícios fiscais, catapultava os resultados instantaneamente, ao contrário dos investimentos em produtos industriais, que demoram a maturar. Nos anos Welch, a companhia fez mais de 1.000 aquisições, gastando US$ 130 bilhões nesses negócios. (No mesmo período, a GE vendeu 408 negócios por um total de US$ 10,6 bilhões.)

Welch ganhou o apelido pouco lisonjeiro de “Neutron Jack” porque dispensava funcionários com ímpeto atômico. Nem por isso deixou de atrair seguidores fervorosos. Diversas outras companhias americanas rezaram na sua cartilha. Boeing e 3M, por exemplo, foram comandadas por executivos que passaram pela GE University, como era apelidado o campus onde os novos líderes eram treinados para serem discípulos de Welch.

No entanto, quando o executivo se aposentou, em 2001, a GE já havia deixado de ser uma empresa líder em inovações de engenharia. Parecia muito mais um banco de investimentos gigantesco, ou uma enorme firma de private equity, controlando empresas sem nenhuma complementaridade e derivando seus lucros de arbitragens financeiras.

Até que veio a crise de 2007, desencadeada pelo colapso das hipotecas subprime – um negócio em que a GE Capital estava atolada até o pescoço. A companhia acabou resgatada por US$ 139 bilhões de um empréstimo aprovado por Barack Obama e uma injeção de capital liderada por Warren Buffett.

Quando morreu, em 2020, Welch estava longe de ser uma unanimidade. Ainda assim, muitas de suas estratégias de gestão continuam parte do dia a dia de empresas em todo o mundo.

O declínio da própria GE deveria servir de alerta. Desde seu apogeu em 2001, mergulhou numa curva descendente e perdeu mais de 80% de seu valor de mercado, um dos piores desempenhos entre as blue chips americanas.

Welch foi um produto de seu tempo. Daí a dizer que ele “quebrou o capitalismo”, como ataca Gelles, vai uma boa distância. É descabido.

Como escreveu Andrew Hill no Financial Times, “Mesmo se Jack Welch nunca tivesse existido, os americanos provavelmente achariam por bem inventá-lo.”