Para atrair o capital privado para novos investimentos no Brasil pós-pandemia, os governos — em todas as esferas — terão que mudar seu modus operandi dramaticamente. 

 
Precisaremos de governos ágeis e flexíveis, abertos à inovação, que forneçam as garantias necessárias para que funcionários públicos e agentes privados aloquem esforços voltados ao interesse público, mas sem deixar de zelar pelo dinheiro público e garantir a responsabilização de indivíduos e organizações que ajam à margem da lei. 
 
Mas como conciliar tais disposições? Como alinhar funcionários públicos encarregados do desenho de Concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP) e órgãos de controle? Como diminuir riscos e incertezas gerados pelo próprio poder público que, muitas vezes, aumentam os custos dos serviços prestados à população? Uma possível resposta é: por meio de protocolos.
Assim como numa pandemia se usam protocolos para tratar os pacientes, conter a disseminação do vírus e atender os mais necessitados, da mesma forma a alavancagem de investimentos privados de maneira sustentável e alinhada ao interesse público demandará protocolos: regras simples, inequívocas e seguindo os cânones da ciência, ou seja, construídas com base em teorias consolidadas e evidências robustas.
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer regras claras para que os serviços atualmente prestados por concessionários não sejam interrompidos por motivo de força maior e causem prejuízos à população e ao Erário. Protocolos para estabelecer o reequilíbrio econômico de contratos em curso são necessários para que entes privados possam ser ressarcidos de gastos adicionais não previstos e para evitar que ineficiências privadas sejam colocadas na conta da pandemia. 
 
O monitoramento por parte dos órgãos de controle do comportamento dos preços reais dos insumos durante a crise é condição imperativa para que gestores públicos e privados não sejam responsabilizados por fatores que não estejam sob seu controle.
 
Adicionalmente, protocolos devem guiar a forma como os riscos de demanda serão tratados. Aqui, as regras devem ser adequadas à natureza de cada empreendimento, às disposições contratuais existentes e ao impacto causado pela pandemia. Por exemplo, o tratamento conferido a aeroportos concedidos ao setor privado, visivelmente afetados pelas restrições ao deslocamento, não pode ser o mesmo dado a outros serviços em que a demanda se comporta de forma distinta.
 
Protocolos são essenciais para dar transparência ao processo, explicitando as premissas e os memoriais de cálculo utilizados no reequilíbrio. Tais procedimentos podem também estabelecer critérios para instrumentos de outorga variável de maneira a proporcionar desembolsos compatíveis às atividades executadas.
Um terceiro ponto a ser observado é a interação com órgãos de controle. Se por um lado, tais organismos são essenciais para garantir o bom uso do dinheiro público, por outro a atuação de tribunais de contas e ministério público muitas vezes gera incertezas em função da discricionariedade e subjetividade de suas resoluções, não raro, sem a velocidade requerida pelas demais partes interessadas.
 
O momento exige maior integração e parceria entre todas as esferas do poder público envolvidas no ecossistema de concessões e PPP. Sobretudo para os novos projetos, que visam acelerar o investimento privado em infraestrutura em momento tão crítico, protocolos podem normatizar a participação dos órgãos de controle durante a fase de estruturação para que eventuais problemas sejam antecipados e discutidos de forma célere e colaborativa, eventualmente em Câmaras específicas com a participação dos atores relevantes e que tratem de projetos prioritários.
 
A interação prévia com órgãos de controle confere segurança jurídica aos gestores que atuam de boa-fé e atraem interessados capazes por conta das menores incertezas associadas. Naturalmente, caso haja evidências de conluio ou malfeitos, haverá sempre a possibilidade de escrutínio e responsabilização dos responsáveis.
Por fim, protocolos podem ser extremamente úteis na agilização de projetos em que a experiência acumulada permite a exploração de economias de escala em novas modelagens, a partir de boas práticas já consolidadas em projetos de rodovias, iluminação pública, saneamento básico e operação de hospitais. A criação de uma espécie de “fast track” facilitaria as interações com órgãos de controle e reduziria prazos e custos de avaliação, além de ajudar na apresentação dos projetos aos investidores interessados em conhecer o padrão adotado pelo poder público nas novas modelagens.
O uso de protocolos na área de infraestrutura traria benefícios não apenas para concessões e PPPs. Ainda mais relevante seria sua aplicação caso o Poder Executivo venha de fato a fazer contratações com o uso de recursos públicos como vem sendo noticiado.
 
Nesse caso, seria de grande valia estabelecer com clareza os indicadores de desempenho e os prazos pertinentes, bem como as regras pelas quais o não cumprimento do que é pactuado afeta os pagamentos a serem realizados pelo poder público. O uso de tecnologias como o blockchain poderia ser grande aliado para esse acompanhamento, além de trazer mais transparência no uso dos recursos.

Como tais protocolos podem ser instrumentalizados? Acreditamos que sua previsão em lei federal que trate das implicações da pandemia seja o melhor caminho para trazer maior conforto aos atores públicos e privados envolvidos.  
 
Se quisermos mudar o patamar de qualidade na provisão de serviços públicos, precisaremos reforçar a atuação técnica e sistematizada dos agentes públicos que atuam no setor de infraestrutura. Ao sinalizar credibilidade, protocolos podem, inclusive, atenuar as instabilidades institucionais geradas por lideranças políticas, ajudando na atração de investidores privados.
 
Sandro Cabral é coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper.
Karla Bertocco Trindade é ex-presidente da Sabesp e da ARTESP.