Na semana em que a Petrobras deve migrar para o Nível 2 de governança corporativa da Bolsa, a Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) está criticando as concessões feitas pela B3 para abarcar mais companhias nos segmentos de listagem especial.
Numa carta dura endereçada ao CEO da B3, Gilson Finkelsztain, e à diretora de regulação Flavia Mouta, a Amec demonstra preocupação com a “eventual concessão de waiver em relação ao artigo 4.1.iv do Regulamento de Listagem do Nível 2,” que prevê direito a voto para os preferencialistas em assuntos como incorporações, fusões ou cisões e aprovação de contratos entre a companhia e o controlador — um assunto especialmente sensível no caso da Petrobras.
Mas, num caso típico do rabo balançando o cachorro, em vez de a Petrobras se adequar às regras, foram as regras que se adequaram a ela. Como a Lei do Petróleo prevê que apenas a União pode apitar sobre esses pontos, a estatal pediu à B3 que a liberasse da exigência – o que deve de fato acontecer, segundo notícias veiculadas nas últimas semanas.
A Amec não cita especificamente a Petrobras no documento.
Há anos, a Amec vem se manifestando contra a omissão da Bolsa em casos em que julga que o código do Novo Mercado e do Nível 2 foi burlado. Em cartas, já atacou episódios em que a venda de controle ocorreu sem a incidência de tag along – o direito dos minoritários receberem o mesmo prêmio oferecido aos controladores, um dos principais pilares do Novo Mercado.
Outro ponto que gerou descontentamento público da associação foi a criação das Super PNs da Gol, que é listada no Nível 2.
Agora, ao fazer concessões num tema tão central quanto o direito de voto, a associação acredita que a B3 pode estar ferindo de morte os segmentos de listagem especial.
“Caso a B3 opte por ignorar tal regra – por qualquer razão que seja – estaria contribuindo para a progressiva diluição da relevância do Nível 2, e do próprio conceito de segmentos diferenciados de negociação”, ressalta a Amec na carta.
Para a associação, há um conflito de interesse na posição da Bolsa. “A Amec vem reiteradamente defendendo que a administração da regulação do Novo Mercado e do Nível 2 seja executada em estrutura independente da B3, com o objetivo de evitar potenciais conflitos de interesse decorrentes do imperativo comercial de curto prazo de atrair um maior número de emissores.”
“Este ano mostrou o valor que os investidores dão ao conceito de one share, one vote, com a migração de empresas consolidadas como Vale, Eletropaulo e Suzano”, disse o presidente da Amec, Mauro Cunha, ao Brazil Journal. “Agora, cada vez que se faz uma concessão relevante, um pouco da garantia desse valor se perde”.
Cunha foi conselheiro independente da Petrobras entre 2013 e 2015, no auge da crise provocada pelo governo Dilma e do estouro das denúncias da Lava Jato. Anunciou a saída do cargo em um documento contundente, em que denunciou a “incapacidade do acionista controlador”.
Para tentar se enquadrar no Nível 2, a Petrobras deu um ‘jeitinho’: em vez do direito de voto, diz que está concedendo ‘direito de voz’.
Funcionará assim: antes das assembleias, o comitê de minoritários – formado por Guilherme Affonso Ferreira, Marcelo Mesquita e Durval Santos – vai examinar e dar uma opinião formal a respeito dos tópicos a serem discutidos. O parecer vai ser incluído no edital. A última palavra, no entanto, ficará a cargo da União.
Em síntese: o minoritário vai poder falar. Mas ninguém garante que ele será ouvido.