Até dois meses atrás, boa parte dos analistas e autoridades econômicas menosprezavam a alta recente da inflação global como um fenômeno ‘passageiro’, ‘temporário’, ‘extraordinário.’
Mas — como aquela visita inconveniente da sogra — o que era passageiro veio para ficar, e a inflação está fazendo estragos em cada setor da economia global, estressando os mercados e desorganizando as cadeias de suprimento.
Um dos casos mais dramáticos é o da indústria petroquímica.
Nos Estados Unidos, o preço do PVC — usado na fabricação de equipamentos médicos, cartões de crédito e tubos, por exemplo — já subiu mais de 70% desde o início da pandemia.
O preço das resinas epóxi — usadas para revestimentos, adesivos e tintas — quase triplicou. E o etileno — essencial na fabricação de embalagens de alimentos, anticongelantes e poliéster — já custa 43% mais.
A inflação petroquímica é resultado de uma ‘tempestade perfeita’ que afetou o setor.
Tudo começou no lockdown da covid: primeiro, as petroquímicas frearam a produção temendo a queda abrupta da demanda; depois, tiveram dificuldade de retomar o ritmo quando o consumo voltou.
Não bastasse isso, uma profusão de eventos climáticos atingiu em cheio a indústria: de um inverno congelante no Texas a furacões na costa do Golfo, tudo conspirou para prejudicar a cadeia do setor, jogando os preços nas alturas.
“Não há só uma coisa errada,” um analista do setor disse à ABC News. “É uma espécie de jogo de acertar a toupeira: algo dá errado, o problema é resolvido, mas em seguida outro problema aparece. E tem sido assim desde o início da pandemia.”
O choque de oferta na petroquímica teve implicações para diversos setores.
Duas das maiores empresas de tintas dos EUA — a Sherwin-Williams e a PPG — tiveram que aumentar preços e reduzir seu guidance de vendas para o ano.
A Sherwin aumentou seus preços 7% em agosto e mais 4% em setembro. Calma: a empresa disse que novos aumentos virão no ano que vem.
Mas os petro-problemas são apenas uma faceta das pressões explosivas atuando sobre o comércio global.
O custo de transportar uma mercadoria por navio de um ponto A para um ponto B já multiplicou por 5 desde o início da pandemia.
Até o ano passado, o custo de despachar um contêiner nunca havia ultrapassado os US$ 2 mil por contêiner nas principais rotas transoceânicas. Hoje, uma empresa tem que pagar até US$ 10 mil para enviar um contêiner.
No porão do problema: com a covid, as empresas de frete marítimo reduziram suas frotas na expectativa de uma queda do consumo — mas ele acabou crescendo.
“Esse foi o ano mais difícil da história para os gerentes de logística e supply chain,” o CEO do Institute for Supply Management disse à ABC. “Sempre falam que o trabalho mais estressante do mundo é o de operador de tráfego aéreo… eu ousaria dizer que, este ano, o de gerente de supply chain foi ainda pior.”
Para piorar o cenário, o petróleo está numa espiral de alta que — seguuuura, peão! — pode continuar ao longo de 2022.
Para o Bank of America, o preço do petróleo pode ultrapassar os US$ 100 pela primeira vez desde 2014, graças à oferta estagnada e à demanda crescente, depois que boa parte do planeta tomou uma Pfizer.
Alguns traders de opções já trabalham com a possibilidade do Brent bater US$ 200 no final do ano que vem, agravando a crise de energia na Europa e Ásia. (As opções de compra de Brent com strike de US$ 200 para dezembro de 2022 negociaram 1.300 contratos na quarta passada, segundo a Bloomberg).
Obviamente, o petróleo nesses níveis desencadearia uma crise econômica global, com problemas políticos e sociais dramáticos: mais fome, ainda mais inflação e múltiplas greves.
Pandemia à parte, a decisão do Federal Reserve de manter a taxa de juros baixa por tanto tempo colocou mais gasolina no rastilho inflacionário.
“Ao deixar o barco da inflação andar, o Fed assumiu um risco assimétrico: se ele estivesse certo, os ganhos seriam mínimos, mas se estivesse errado, o preço a ser pagar seria enorme,” diz um analista. “Claramente, estamos caminhando para este cenário.”