No domingo passado, bancos representando a Notredame Intermédica mandaram um email a gestores de grandes fundos anunciando uma oferta de R$ 2 bilhões em ações da companhia de saúde.  O recado: “coloquem suas ordens logo, porque a operação fecha na terça.”  
 
O prazo de 48 horas é um sinal de liquidez: no ano passado, uma oferta deste tamanho demoraria meses para ser organizada.
 
Bem vindo ao ‘bull market’ brasileiro, em que o aluguel de uma laje corporativa triple-A em São Paulo subiu de R$ 90 para R$ 130 por metro quadrado em um ano, restaurantes no Itaim têm esperas de uma hora e meia numa terça-feira (mesmo com jogo do Brasil na TV) e em que uma nova gestora entra na plataforma da XP Investimentos — a maior do País — a cada 15 dias.
 
“Estamos num bull market. Você só não reparou ainda,” diz o executivo de uma plataforma.
 
Até recentemente, “você anunciava uma nova oferta de ações e aquele papel caía — isso é o normal.  Agora, o papel sobe!” diz um gestor estarrecido.  
 
Além da Intermédica — cuja ação chegou a subir forte depois do anúncio da oferta e de lá para cá está no zero a zero — há sinais claros de demanda reprimida nas ofertas do BTG Pactual, Neoenergia e até num leilão corriqueiro de 7% do capital da Alpargatas, há duas semanas.
 
O fluxo vem de todo lugar. Os fundos de pensão estão alocando mais na Bolsa, as gestoras estão captando mais de pessoas físicas (cansadas de um CDI que não enche mais os olhos), e os fundos multimercados estão alocando cada vez mais em equities
 
“Abriu muito multimercado com time de ações,” diz um executivo de uma corretora. “Dos multimercados grandes, só a Adam Capital faz Bolsa apenas via índice. Todos os outros tem times de equities.” 
 
A pujança do mercado — que fez o índice Bovespa atingir um pico nominal de 100 mil pontos na quarta-feira — vem acompanhada dos temores associados a toda vez que o Brasil ameaça dar certo:  será este mais um vôo de galinha?
 
Em termos macroeconômicos, a resposta depende em grande parte do que acontece em Brasília: o destino da agenda de reformas, a capacidade do governo de não tropeçar em seu próprio cadarço, e microrreformas capazes de viabilizar investimentos que permitam ao PIB crescer sem amarras.  
 
Mas, no que afeta o dia a dia dos gestores profissionais, o atual otimismo começa a gerar ansiedade sobre a mera capacidade do mercado de equities absorver todo o novo fluxo de recursos.
 
“Os IPOs estão ‘overbooked’, os follow-ons estão concorridos, e o gringo nem está comprando ainda,” diz um gestor que começou a achar a maior parte do mercado no preço justo.
 
E agora, quem poderá nos socorrer?  Os banqueiros de ECM — a área dos bancos que estrutura as ofertas de ações.
 
A Bolsa brasileira tem 400 companhias listadas, mas apenas 104 negociam acima de R$ 10 milhões em média por dia — a liquidez necessária para que um grande investidor possa montar posição num papel.
 
Se novas empresas não acessarem o mercado logo, o fluxo vai começar a inflacionar os múltiplos e distorcer os preços, na medida em que o capital corre atrás dos mesmos nomes.
  
Corretores experientes dizem que o tamanho das ofertas será documento.

“Você tem um mundo piorando — com uma potencial recessão no horizonte, guerra comercial, etc — e um Brasil que pode dar certo mas ninguém tem muita convicção,” diz um deles. “Então, você precisa estar em papeis líquidos porque, se der errado, você precisa dessa liquidez pra poder sair.  Os investidores locais já estão alocados, e os gringos estão começando a olhar as ofertas porque está começando a aparecer coisa grande.”  
 
O pipeline está robusto, mas nada que se compare aos idos de 2007.
 
Até o final deste mês, nomes como Neoenergia, Petrobras e Linx trarão R$ 12,2 bilhões em papeis ao mercado — em cima dos R$ 7,8 bilhões já colocados por BTG, CPFL e Intermédica.
 
Em julho, a oferta de ações da BR Distribuidora deve trazer outros R$ 7 bilhões pelo menos, enquanto outros follow-ons já mandatados vão representar mais R$ 13 bilhões em ativos.
 
Parece muito, mas não é nada que meia dúzia de investidores internacionais não consigam absorver se a reforma da previdência for aprovada. 
 
A indústria de fundos de ações, que começou o ano com R$ 305 bilhões, no fim de maio já geria R$ 350 bilhões — cresceu R$ 9 bi por mês (contra uma captação líquida de R$ 3 bi/mês no ano passado).
 
Apesar de ser uma realidade empírica, é difícil quantificar a migração da renda fixa para a variável porque “é difícil casar os saques de uma classe de ativos com os ingressos em outra,” diz um executivo da indústria de fundos.  
 
Nem todo mundo acha que o mercado terá problema para absorver o fluxo.
 
“Ainda estamos bem no início do ciclo,” diz Gilson Finkelsztain, o CEO da B3.  “Há de 30 a 40 empresas que devem vir a mercado nos próximos 18 meses, incluindo IPOs e follow-ons.”  A média de negociação diária da Bolsa passou de R$ 10-12 bilhões há um ano para cerca de R$ 15-16 bilhões agora.  (Metade da alta é resultado da apreciação dos ativos, e a outra metade, aumento de liquidez.)
 
Para um gestor da Faria Lima, alguns IPOs não tiveram tanto sucesso, e os follow-ons que estão saindo acima do preço se beneficiam de narrativas específicas, não relacionadas ao mercado.  Para ele, o fiel da balança será a oferta de Tecnisa, uma empresa em constante restruturação.  
 
“Se essa daí sair, dá pra dizer que realmente está começando a ter oba-oba.”