Mais um trimestre, mais uma decepção.
A ação da Hapvida cai pavorosos 36% hoje depois de um resultado desastroso que mostrou uma tendência ainda negativa para a sinistralidade — com os reajustes de preços não conseguindo compensar a alta nos custos por beneficiários.
A empresa — que até ontem era um dos grandes consensos do buyside dado sua natureza defensiva em meio a uma economia em desaceleração — agora vale apenas R$ 20 bilhões na Bolsa. Para efeito de comparação: antes da fusão entre Hapvida e a Notredame Intermédica, as empresas valiam cerca de R$ 55 bilhões — cada.
A sinistralidade caixa da Hapvida — um dos principais indicadores da companhia — ficou em 72,9% no quarto trimestre, uma piora de 1,8 ponto porcentual na comparação anual e uma melhora de apenas 0,1 ponto na comparação com o terceiro tri.
O mercado esperava uma melhora mais próxima de 1 ponto percentual, até pelas sinalizações da própria companhia.
O CEO Jorge Pinheiro disse que 2021 foi dominado pela pandemia e que 2022 foi o início de um ano de transição para a normalidade, mas ainda marcado por custos médicos muito altos.
“No quarto tri, vimos uma desaceleração no ritmo de aumentos de custos, mas ele continua alto, tanto por repasse ao consumidor na nossa rede própria quanto por um volume maior de terapias e procedimentos de altos custos na rede terceirizada, que é um objeto de muita atenção nossa,” Jorge disse na call com os analistas.
O CEO disse esperar que a sinistralidade caixa volte aos patamares históricos ao longo dos próximos trimestres. Para isso, a Hapvida pretende fazer reajustes de preços mais agressivos no próximo ciclo — de 2x a 3x a inflação — e aumentar a verticalização de regiões onde a participação das redes parceiras ainda é muito alta.
Segundo o CEO, o reajuste dos planos individuais no ano que vem deve girar em torno de 10% e o dos planos para PMEs de 12% a 15%. Já o dos planos corporativos vai variar, porque “há outras possibilidades de recompor margens como reduzir a rede credenciada e aumentar o nível de coparticipação.”
Jorge disse que a Hapvida tem “centenas de iniciativas em curso para melhorar a sinistralidade, mas uma das mais importantes é a verticalização,” disse ele.
Segundo ele, uma dessas iniciativas foi a criação da regional 3, que inclui as operações de Minas, Rio e três estados do Sul do País. Essas operações — que somam 1,2 milhão de vidas — são recém adquiridas e operam com um nível de verticalização ainda baixo.
“Aqui é onde tem mais mato alto por serem operações pequenas e médias e com um menor nível de maturação. O primeiro remédio vai ser implementar um plano de verticalização e integrar as operações.”
Em Belo Horizonte, por exemplo, a Hapvida vai abrir três novas unidades no segundo semestre focadas em serviços hospitalares.
Para um analista do sellside, as sinalizações do CEO foram positivas.
“O caminho é esse mesmo. Porque o custo está acontecendo por vários fatores que fogem do controle, então para melhorar a sinistralidade a única forma é ajustar preço. E eles têm que ser mais agressivos, mesmo que isso impacte o crescimento orgânico,” disse ele.
O problema, segundo ele, é que “nos últimos sete ou oito trimestres a companhia tem falado uma coisa e os resultados têm mostrado outra.”
“Desde maio eles já têm falado que o reajuste dos planos corporativos está acima de 10%, mas quando eu olho o crescimento do tíquete médio ano contra ano foi de só 3,5%.”
A falha no discurso da companhia também explica, em partes, a queda de mais de 30% hoje. Na visão do analista, parte dessa implosão é por perda de confiança, já que muitos hedge funds estavam posicionados esperando que o resultado do quarto tri já viesse melhor — o que era o guidance da companhia.
“Se eu tivesse começado a olhar Hapvida hoje e escutasse o call eu acharia que esse quarto tri foi o vale. Mas olhando a empresa faz tempo é difícil saber, porque eles estão falando faz vários trimestres que vai melhorar e não melhora.”
A alta da sinistralidade levou o EBITDA ajustado a uma queda de 9,3% na comparação anual, para R$ 599 milhões. O resultado ficou bem abaixo das expectativas do sellside. A Goldman Sachs, por exemplo, esperava um EBITDA de R$ 680 milhões, enquanto o Bank of America projetava R$ 659 mi.
O bottom line também decepcionou. A operadora de saúde teve um prejuízo de R$ 317 milhões, em comparação a um lucro de R$ 195 milhões um ano antes.
Outro tema que chamou a atenção (negativamente) foi a queima de caixa, que levou a um aumento significativo da dívida líquida. A Hapvida queimou R$ 224 milhões no quarto tri, principalmente por uma piora do capital de giro e um aumento no capex.
A dívida líquida saiu de R$ 6,5 bilhões para R$ 7,1 bilhões, com outros R$ 398 milhões de despesas financeiras pesando na conta.
Mas para um analista, a queima de caixa não é o principal sinal vermelho.
“90% da performance da ação hoje é relacionada à sinistralidade. Se a sinistralidade tivesse melhorado 150 basis points e eles tivessem queimado R$ 240 milhões de caixa, o mercado ia aceitar, porque o MLR estaria na tendência certa,” disse ele. “Agora, a sinistralidade vem pior e eles ainda tem queima de caixa…”
O único ponto positivo do resultado foi a adição líquida de vidas, que veio em linha com as projeções dos analistas.
A Hapvida adicionou 103 mil novas vidas no trimestre, chegando a 9,4 milhões de beneficiários. A receita líquida subiu 10,9%, para R$ 6,5 bilhões.