A explosão dos preços dos combustíveis fósseis vem assustando os participantes do mercado de energia e escrevendo um capítulo dramático para a economia no mundo pós-covid.
De agosto para cá, o gás natural subiu acachapantes 119% na Alemanha, escandalosos 149% na França e surreais 300% no Reino Unido.
Cada novo dia traz uma história arrepiante. A Europa vive uma crise de preços do gás às vésperas do inverno, com a consequente “contaminação” dos preços da eletricidade.
Há até mesmo a suspeita de que a Rússia tenha diminuído propositalmente o abastecimento para negociar melhor os preços do gás que o gasoduto Nord Stream II levará para a Europa.
Também pressionando o preço do gás na Europa: ventou menos, e os parques eólicos do Mar do Norte produziram menos energia neste verão. Nesta segunda-feira, no Reino Unido, a Shell e a BP tiveram de fechar postos de serviço em algumas cidades: uma corrida de consumidores desesperados deixou 90% dos postos zerados.
Há duas explicações para o que vem ocorrendo no setor energético.
No curto prazo, a causa é a pandemia, que inicialmente causou uma queda abissal no consumo e, consequentemente, na oferta de energia.
Com o sucesso das vacinas e a retomada da economia, a demanda voltou muito mais rápido que a oferta. Ao contrário do que muita gente pensa, a produção de petróleo e gás natural não responde a um botão de ON/OFF que pode ser apertado com resultados imediatos. Existe uma inércia operacional, os equipamentos levam tempo para voltar a produzir energia, donde resulta que, até chegarmos ao equilíbrio da curva de oferta a de demanda, sofreremos com esta elevação significativa dos preços em escala mundial.
Além disso, a parada abrupta levou à postergação de novos investimentos, cuja retomada dependerá da normalização da economia no médio e longo prazos.
Com tudo isso, o risco político aumenta: preços altos incitam revoltas sociais e turbulência na cena política. (Em 2018, um aumento no preço do diesel inspirou os ‘gilets jaunes’ da França. No Brasil, temos a ameaça constante de greve dos caminhoneiros. Na tarde de hoje, a Petrobras achou apropriado convocar uma coletiva para se eximir da ‘culpa’ pelo aumento dos combustíveis; o evento foi lido como uma vacina anti-intervenção do Governo num momento em que a inflação começa a cobrar um preço político.)
A segunda explicação para o incêndio nos mercados está ligada ao movimento de transição energética e à adoção do ESG nas políticas de investimento como resposta à mudança climática.
A busca por uma matriz energética mais limpa se intensificou nos últimos anos, particularmente na pandemia, demonizando os combustíveis fósseis como parte da matriz energética do futuro. Resultado: ainda mais restrição de oferta.
Chegamos ao seguinte ponto: não pode óleo, não pode carvão, não pode gás natural e, apesar de não ser fóssil, também não pode nuclear.
Com o mundo passando por um processo de eletrificação — resultado de um maior crescimento da demanda — e uma redução estrutural na oferta de energia, o equilíbrio obrigatoriamente passa por um aumento exponencial dos preços (na ausência do quê, o mundo todo certamente estaria enfrentando ainda mais racionamentos).
Todo esse quadro sugere que aumentou o risco de um colapso mundial. Piorando as coisas, a oferta de energia renovável se encontra cada vez mais instável, seja devido a desastres ambientais ou a preços ainda elevados para países em desenvolvimento.
As matrizes energéticas ficaram muito reféns do clima porque as energias renováveis são intrinsecamente intermitentes, ou seja, só geram energia quando a Natureza permite.
Precisamos aproveitar essa crise para aprender que a transição energética deveria buscar uma mudança estrutural no lado da demanda — e não uma redução da oferta.
Não há dúvida de que as fontes sujas de energia — como os combustíveis fósseis — precisam ser caras. Mas sem alternativas confiáveis, o aumento dos preços impulsiona a inflação, reduz o padrão de vida e torna o ambientalismo impopular.
Se os governos não administrarem a transição energética com mais cuidado, a crise de hoje será a primeira de muitas que ameaçarão uma mudança vital em direção a um planeta (e um clima) mais estáveis.
Adriano Pires é fundador do CBIE – Centro Brasileiro de Infra Estrutura.