Antonio BonchristianoA empresa austríaca RHI está tomando o controle da Magnesita numa operação que une a maior companhia de material refratário do mundo com sua concorrente brasileira, que sempre nutriu aspirações globais.

Nos termos do acordo anunciado ontem à noite, a RHI comprará pelo menos 46% da Magnesita por €118 milhões em dinheiro e mais 4,6 milhões de ações na empresa resultante, a RHI Magnesita, que terá sede na Holanda e listagem na Bolsa de Londres. 

Após o fechamento da operação, a RHI Magnesita fará uma oferta aos minoritários da Magnesita, encerrando a história da companhia na Bovespa.

Cerca de 38% do capital da Magnesita pertencem a fundos administrados pela GP Investimentos; outros 8% pertencem à Rhone Capital, do financista ítalo-americano Robert Agostinelli, que se tornou acionista por ter vendido uma empresa à Magnesita; e 54% estão nas mãos de acionistas minoritários.  Todos viram a ação esfarelar nos últimos anos em meio à derrocada das commodities que vitimou a indústria siderúrgica, o maior cliente da Magnesita.

O sonho da GP sempre foi transformar a Magnesita na líder global em refratários — um material crítico para a produção de aço, cimento e alumínio.  Por não se fundir abaixo de 2.000 graus de temperatura, os refratários são essenciais para o processo de produção de aço. (No alto forno em que o ferro é fundido, o refratário é usado no fundo, no meio e na tampa desta panela, e em formulações químicas diferentes.)

Em setembro de 2008, a Magnesita pagou €650 millhões pela LWB, uma concorrente alemã forte em dolomita, um refratário complementar à linha de produtos da Magnesita. Por ter plantas na França, Alemanha e EUA, a LWB também ajudaria a colocar a Magnesita mais perto do sonho de consolidação do mercado.

Mas o ‘timing’ não poderia ter sido pior.  Dias após o anúncio da compra, a Lehman Brothers foi à lona, a economia mundial implodiu, e a Magnesita teve que fazer um aumento de capital para não ter o mesmo destino. Nos EUA e Europa, a indústria siderúrgica contraiu 34% no ano seguinte.

Pior: a aquisição provocou a ira da RHI, que se sentiu invadida em seu quintal e contra-atacou: em 2011, anunciou que construiria uma fábrica no Brasil e chegou a comprar um terreno no Rio de Janeiro, prometendo entrar em operação em 2013.  O projeto não passou da terraplenagem, mas o recado estava dado.

Na nova RHI Magnesita, os fundos da GP serão sócios do controverso empresário austríaco Martin Schlaff, cuja MS Private Foundation controla 25% da RHI. 

Schlaff — cuja biografia dá um filme épico — fazia comércio com a Alemanha Oriental desafiando o embargo durante a Guerra Fria, e teria sido informante da Stasi, a polícia secreta da Alemanha socialista.  (Isso tudo segundo o jornal israelense Haaretz). Schlaff tem conexões com a empresa russa de petróleo Gazprom, é dono de um banco em Liechtenstein, e já foi investigado por supostamente subornar o ex-premiê israelense Ariel Sharon.  Schlaff também chamou atenção por ter tido um dos divórcios mais caros da Europa — quando pagou €200 millhões à sua ex-mulher — e por ter sido sócio de Yasser Arafat em um cassino em Jericó.

[Pausa para absorver isso tudo.]  

A GP comprou o controle da Magnesita da família Pentagna Guimarães em 2007, quando o ciclo das commodities ainda era favorável e fazia o investimento parecer uma barbada.

A gestora, comandada por Antonio Bonchristiano e Fersen Lambranho, pagou US$ 1,24 bilhão (à época, R$ 2,4 bilhões) num leilão que atraiu três grupos multinacionais e dois gestores de private equity.

Nove anos e pelo menos um aumento de capital depois, a Magnesita valia R$1,2 bilhão ontem na Bovespa.

Assim que as coisas apertaram na economia mundial, ficou claro que os clientes da Magnesita — siderúrgicas como a Arcelor Mittal, Thyssen Krupp e Gerdau — eram muito mais fortes do que as fornecedoras de refratários.  Assim como ‘as quatro irmãs do minério’ — Vale, BHP, Rio Tinto e Anglo American — apertavam as siderúrgicas no preço, estas jogavam pesado com a Magnesita, a RHI e a Vesuvius, a No. 2 do setor e uma empresa mais protegida por focar em refratários especializados.

O imperativo da escala estava dado, e a operação anunciada ontem à noite finalmente leva esse navio ao porto.  Infelizmente para os investidores da Magnesita, ela veio muito tarde.