Apesar das súplicas da própria vítima e das testemunhas no local, o policial não retirou o joelho de cima do pescoço de George Floyd.

Os 10 minutos do vídeo que documentou o assassinato a sangue frio — por asfixia — são o momento mais abjeto de um ano já repulsivo em tantos aspectos.

Mas como já disse o ator Will Smith, “o racismo não está piorando — ele só está sendo filmado.”

Algemado e deitado de bruços na rua, Floyd dizia que não conseguia respirar; as pessoas gritavam “saia de cima dele”, “você o está matando”, mas Derek Chauvin não se moveu.  Numa insensibilidade que remete à psicopatia, sua expressão facial também permaneceu inalterada. Segundo a promotoria de Minneapolis, o policial ficou sobre o pescoço da vítima por 8 minutos e 46 segundos — incluindo 2 minutos e 53 segundos depois de Floyd perder os movimentos.  Ele foi declarado morto momentos depois, a caminho do hospital. 

Em graus variados, todas as minorias dos EUA já foram vítimas da brutalidade policial, mas os homens negros americanos são de longe o maior alvo.

Neste caso, o racismo continuou mesmo depois da morte:  a promotoria indiciou o policial por “homicídio culposo,” mesmo diante da evidência dolosa registrada na filmagem que viralizou no mundo. 

É trágico ver como a cultura demora a mudar:  os americanos são capazes de enviar astronautas ao espaço, mas não conseguem dar uma resposta moral à herança maldita deixada pela escravidão.  Todos os anos Hollywood produz filmes que tentam nos sensibilizar sobre o racismo — em suas manifestações leves e violentas — mas as estatísticas não mudam:  a brutalidade policial aumenta e os negros continuam no ciclo perverso pobreza-prisão.

O que nos traz ao Brasil.

O tratamento dado a George Floyd é o dia a dia das pessoas que moram em comunidades no Brasil, a maioria com a pele parda ou negra.  Todo dia é uma bala perdida, uma criança ceifada; todo dia um “esculacho”, um pé na porta; todo dia um desrespeito que jamais acontece na Zona Sul do Rio ou nos Itaims e Jardins.

Quem ainda acha possível contemporizar deveria ouvir a analogia criada pelo humorista Chris Rock — pois só o humor dá conta de falar certas verdades.

“Toda vez que um negro inocente é morto pela polícia, vem o papo:  ‘Não são todos os policiais.  São maçãs podres.’ Mas algumas profissões não podem ter maçãs podres!  A American Airlines não pode sair dizendo, ‘A maioria dos nossos pilotos sabe pousar…’” 

A responsabilidade de lutar para por fim ao racismo é, antes de tudo, dos homens brancos.  Somos nós que temos nas mãos a mídia, os bancos, as indústrias, o poder político, as polícias, o Judiciário.

O Brasil — o último país a abolir a escravidão no mundo — precisa aceitar que tem um problema e lidar com este câncer.  A polícia tem que ser melhor treinada (e quando erra, punida rapidamente), as empresas precisam ser mais pró-ativas em gerar oportunidades, e a educação pública precisa receber um choque de amor e gestão para aumentar a chance de sucesso dos pobres e negros.  

E enquanto isso, a sociedade precisa gritar — unida — toda vez que a injustiça e a brutalidade recaírem sobre os seus cidadãos mais vulneráveis.

Ainda que majoritária, essa parcela da sociedade não tem voz, e desde que nasce sente na pele a exclusão, a inferiorização, o desespero de que talvez as coisas nunca mudem.

Um âncora da CNN exortou seus ouvintes a imaginar como a omissão dos brancos perante estes fatos machuca seus amigos negros.

“Se você é negro e não tem um amigo branco, arrange um e diga a ele o que você está pensando.  E se você é branco e não tem um amigo negro, consiga  um e ouça o que ele tem a dizer — porque esse é o único jeito que vamos resolver isso,” disse Don Lemon.

Dando sinais desta empatia, as manifestações nos EUA desde terça-feira tem contado com a participação maciça de jovens brancos.  Será que o mesmo aconteceria no Brasil?  

Que George Floyd se torne a Rosa Parks do nosso tempo:  um evento que precipite uma mudança pela qual não dá mais para esperar.