Cathie Wood — a gestora de tech com US$ 30 bilhões sob gestão e evangelista da inteligência artificial before it was cool — está (finalmente) tendo um ótimo ano. 

Depois de disparar em 2021 — quando todas as empresas inovadoras se valorizaram graças à pandemia — o ETF ARKK, o flagship de sua gestora, a Ark Invest, patinou porque ficou abraçado em teses em que Cathie confiava muito, durante um longo período de volatilidade.

Mas em 2025, o ARKK sobe 35%, bem acima do benchmark, e está captando como nunca.

Cathie acha que é só o começo: para ela, o mercado de AI vai continuar escalando, liderado pelas empresas de Elon Musk e com o apoio regulatório do Governo Trump.

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Nesta entrevista ao Brazil Journal, ela também falou sobre outras teses da Ark, como a aplicação de inteligência artificial no setor de saúde e a adoção de ativos digitais pelas empresas nos EUA.

Na segunda parte da conversa, a gestora falou ainda sobre como a AI vai impactar a economia, os mercados e o setor de serviços financeiros.

Como a política tarifária do Presidente Trump altera a visão do mercado sobre o seu governo?

Trump quer se tornar o maior presidente da história dos EUA e vai julgar seu próprio desempenho com base em duas coisas: a atividade econômica e o mercado acionário.

Por isso, escolheu enfrentar “as negociações difíceis” logo no início de sua administração.

Não conhecemos todo o contexto político de cada tarifa e sabemos que elas estão muito altas agora, mas esperamos que as negociações continuem, a menos que os outros países, como o Brasil, não queiram que continuem.

Acredita que Trump tem alguma chance de ser visto como o maior Presidente dos EUA?

O Governo Trump pode viabilizar — via incentivos fiscais e desregulamentação — um dos mais importantes booms econômicos e acionários da história.

Já falávamos há bastante tempo que a convergência entre várias tecnologias estava criando enormes oportunidades de crescimento, mas foi o “momento ChatGPT” que fez as pessoas entenderem do que estávamos falando. 

O crescimento econômico acelerado através da AI será um fenômeno global e eu diria que, se o presidente Trump não tivesse sido eleito, os EUA poderiam perder seu excepcionalismo contra os demais mercados.

Estávamos perdendo espaço para outros países no mercado de ativos digitais, por exemplo, mas essa administração está tornando a inovação uma prioridade.

Agora há arbitragem regulatória, e vamos recuperar parte do que perdemos. Como resultado disso, acredito inclusive que o dólar se manterá mais forte do que a maioria espera nos próximos anos.

O fiscal não preocupa?

É um grande problema agora, e metade da solução é entender o problema. Admiro o que Elon Musk fez com o DOGE, e acredito que isso vai impactar profundamente o setor governamental por anos.

O déficit como porcentagem do PIB já começou a cair e esperamos que o Secretário do Tesouro alcance o seu objetivo de reduzi-lo para 3% até o fim do mandato de Trump. 

Isso porque acreditamos que a economia vai crescer muito mais rápido do que todos esperam com o boom de AI, e assim poderemos reduzir o déficit como percentual do PIB e até, eventualmente, entrar em território de superávit novamente.

Elon Musk é um exemplo do processo de politização do CEO moderno?

Se os EUA querem manter sua liderança em tecnologia, precisamos reforçar nossas parcerias público-privadas.

Nos anos 60 e 70, o boom tecnológico que deu origem ao Vale do Silício começou com o governo. Hoje o Estado é um retardatário em tecnologia, e precisamos do zelo empreendedor e do foco do setor privado para nos levar adiante. 

A SpaceX, por exemplo, tem US$ 22 bilhões em contratos com o governo e 90% dos satélites americanos que estão em órbita. É um monopólio efetivo e o governo precisa da SpaceX. Acho que é uma dinâmica saudável para os negócios.

Em termos políticos, é difícil categorizar Elon Musk. 

Primeiro as pessoas achavam que ele era democrata por conta das questões energéticas. Depois achavam que era republicano por ter ajudado a eleger Trump. E agora não sabem o que ele é. Na verdade, ele quer começar outro partido.

Manter essa dúvida é inteligente, porque ele serve a todos, suas empresas servem a todos, e não dá para alienar metade da população. Isso seria uma atitude estúpida por parte de um CEO. 

Acho que seus pares vão aprender com as… não vou chamar de erros, mas as aventuras de Elon.

Por que a Tesla é a maior posição dos fundos da Ark?

Se Nvidia e Palantir merecem seus valuations atuais, e nós acreditamos que sim, então o avanço da AI tem que estar beneficiando muitas outras empresas.

Na nossa visão, o maior projeto do setor hoje é a mobilidade autônoma, que vai gerar entre US$ 8 trilhões e US$ 10 trilhões em receitas por ano nos próximos 5 a 10 anos, um valor relevante se pensarmos em um PIB americano de US$ 130 trilhões.

E é um projeto caracterizado pela convergência de três plataformas de inovação muito importantes: veículos autônomos são robôs, serão elétricos e serão movidos por AI. 

Por isso a Tesla é uma ação em que temos muita confiança. A Alphabet, com a Waymo, também pode ser uma vencedora. Na China, talvez Baidu e Pony AI. E pode haver monopólios regionais em outros lugares. 

O Uber também está tentando entrar — a empresa quer se posicionar como um aplicativo agregador de soluções de AI em mobilidade — mas duvidamos que a estratégia seja muito bem-sucedida.

Os eVTOLs também vão ganhar mercado?

O custo para dirigir um carro particular nos EUA atualmente é cerca de US$ 0,75 por milha, e achamos que isso vai cair para US$ 0,25 em alguns anos, com o ganho de escala dos robotaxis.

Se você corta o custo de algo, mais pessoas o utilizam, e nesse caso os congestionamentos devem aumentar.

Isso vai forçar mais pessoas a voar, e os eVTOLs deverão se tornar um grande mercado especialmente em trajetos entre grandes cidades e aeroportos, que são pontos de maior trânsito.

A Embraer está no radar?

Sempre acompanhamos a Embraer com muito interesse, vemos a empresa e alguns players chineses como potenciais disruptores do duopólio de Boeing e Airbus.

Mas nós costumamos buscar empresas com negócios mais segmentados nestes casos, porque o foco do management precisa ser integral em setores dinâmicos como este. Temos Archer na carteira.

Saúde é um outro grande foco da Ark em AI, certo?

Os projetos de AI mais profundos estão na área da saúde.

Hoje podemos sequenciar células individualmente e, como cada um de nós tem entre 35 e 40 trilhões de células no corpo, este é o maior projeto de dados proprietários do mundo. 

Já estamos criando testes e exames de sangue que podem diagnosticar doenças como câncer em estágios iniciais. Temos Phrenome, Gardent e Natera no portfólio.

A partir disso, poderemos também curar doenças com a convergência de tecnologias de sequenciamento, IA e edição genética: como faz a nossa investida CRISPR.

A Ark também entrou recentemente em Ethereum através da BitMine Immersion. Por que agora?

Percebemos que a maioria das empresas do mundo financeiro tradicional, ao evoluírem suas estratégias de ativos digitais, estão construindo em cima do Ethereum, o que aumenta a utilidade da rede.

O Ethereum é a revolução dos serviços financeiros, pois introduz na internet uma camada peer-to-peer, muito mais transparente e com menos riscos para o ecossistema.

Hoje pagamos a vários intermediários para reduzir os riscos das transações financeiras, e agora estamos reduzindo essa necessidade — a fatia de 3,5% que os intermediários recebem vai cair para cerca de 1% ou menos à medida que isso se consolidar.

A BitMine, em que investimos recentemente, é uma empresa de tesouraria de Ether. Acreditamos que haverá poucas empresas de tesouraria que controlarão grande parte do Ether e agregarão utilidade além do staking para suas companhias e redes.