Se as contas de Cathie Wood — a investidora por trás da Ark Invest, com cerca de US$ 30 bilhões sob gestão — estiverem certas, o avanço da inteligência artificial vai propiciar um boom trilionário nos próximos anos e redirecionar a economia global, os mercados e o setor de serviços financeiros.

A diminuição dos custos de inovação deve inclusive fazer com que empresas de mercados emergentes — com empreendedores habituados a atravessar obstáculos econômicos — se tornem protagonistas globais, Cathie disse ao Brazil Journal.

“Estou bastante empolgada, e uma das coisas que queremos fazer, especialmente com nosso fundo de venture capital, é procurar essas joias desde cedo e aproveitar esse momento histórico.”

Com ações como Tesla, Coinbase e Palantir no portfólio, o flagship da Ark Invest, o ETF ARKK, sobe 35% em 2025.

A primeira parte da entrevista está aqui. A segunda parte, abaixo.

Um cenário de incertezas macro como o atual atrapalha na adoção de novas tecnologias?

Durante tempos difíceis e períodos de incerteza — como as turbulências comerciais que temos este ano — a inovação ganha força.

Quando consumidores e empresas estão preocupados ou com medo, ficam mais dispostos a mudar a forma como fazem as coisas, e a inovação disruptiva habilitada tecnologicamente é uma nova maneira de fazer as coisas.

E à medida que avançarmos para uma economia muito mais forte no futuro, ficará óbvio que aqueles que adotarem essas novas tecnologias, especialmente AI, mais rápido, serão os vencedores.

E a inflação?

Uma vez que superarmos os aumentos de preços pontuais causados pelas tarifas, acreditamos que os preços ficarão abaixo das expectativas — e não nos surpreenderá se houver meses deflacionários por conta dos avanços tecnológicos.

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Como o mercado de trabalho deve ser impactado pelo avanço da AI?

Haverá uma transição e pessoas serão atingidas no curto prazo. Mas se olharmos dados históricos, vemos que a tecnologia é um criadora líquida de empregos.

O problema no curto prazo é que muitas pessoas não conseguem imaginar quais empregos serão criados. Mas hoje podemos recorrer ao ChatGPT ou ao Grok, meu modelo de linguagem favorito, e perguntar a eles, usando seus modelos profundos de raciocínio, quais serão estes empregos.

Meu favorito é a mineração de asteroides. Gosto porque ajuda as pessoas a entender que os empregos não estarão só aqui na Terra. Alguns estarão aqui, mas por conta da exploração espacial, muitos estarão no espaço, inclusive no setor de saúde.

Os EUA terão energia para viabilizar essa revolução?

A xAI construiu em cinco meses um data center que as pessoas achavam que levaria 18 meses ou dois anos para ficar pronto ou que nunca seria concluído. 

Nessa linha, Elon Musk disse que a nossa infraestrutura energética, especialmente a rede elétrica, é tão ineficiente que, se trabalharmos nisso, poderíamos dobrar a energia disponível da noite para o dia. 

Também fizemos uma análise proprietária para estimar a demanda energética incremental que os EUA terão por causa da AI nos próximos cinco anos — e a China fez ampliação semelhante em apenas um ano. Em outras palavras, é muito possível.

O que falta para isso ocorrer?

A desregulamentação é essencial. Regulações sufocaram a energia nuclear nos EUA durante anos, e isso está mudando agora.

Já o gás natural, que é a maior fonte de energia da rede atualmente, foi contemplado na big, beautiful bill para acelerar a construção da infraestrutura energética. 

Acreditamos que é possível. E o capital está fluindo agressivamente para esse setor.

Como a Corporate America será disruptada pela AI?

Empresas que dependem do poder de precificação para crescimento de receita e expansão de margem terão que mudar seu modelo.

Elas podem se ajustar, porque os custos associados a todas essas novas tecnologias estão caindo: os custos de treinamento de IA, por exemplo, estão caindo 75% ao ano; os custos dos veículos elétricos também estão diminuindo.

Um dos principais motivos é que a China, mestre em manufatura e escalabilidade, está exportando muita deflação. O país quer liderar em inovação e entende que o processo tem curvas de aprendizado que se traduzem em quedas de custo.

Então, por esses dois motivos — tecnologia e o desejo da China de se tornar um jogador muito importante nesse setor — veremos deflação.

As empresas que não adaptarem seus modelos de negócio serão disruptadas, mas elas têm uma janela para fazer essa mudança agora.

O setor financeiro está se mexendo?

As empresas financeiras tradicionais estão se aproximando de AI e de Blockchain porque veem que esse mundo de menor custo está chegando, e perderão espaço se não reduzirem suas estruturas.

Mas, claro, haverá negócios pure-play correndo atrás dos incumbentes, em uma dinâmica parecida com o impacto da internet no varejo.

Teremos bancões como o JPMorgan (Jamie [Dimon] ainda não acredita no Bitcoin, mas vai mudar de ideia a longo prazo), que estão investindo em tecnologia; outros que ficarão maiores porque adotaram as novas tecnologias agressivamente; e os novatos que crescerão ainda mais rápido porque nasceram digitais.

As últimas serão as ações que você verá em nossos portfólios.

O varejo deverá mudar sua forma de investir?

Haverá vencedores e perdedores no mercado de ações, e acho que a gestão ativa vai se tornar mais importante porque não devemos jogar dinheiro em qualquer coisa que pareça AI.

Na Ark temos um processo top-down com curvas de aprendizado que nos educam sobre quão rápido essas tecnologias vão escalar. E temos um processo bottom-up para descobrir quais empresas serão as maiores beneficiárias. Então estamos atentos a isso.

A forma como a gestão tradicional de ativos evoluiu, se tornando mais passiva e mais sensível a benchmarks, não será tão eficiente quanto a gestão ativa conforme a AI escala nos próximos anos.

O que restará aos mercados emergentes neste cenário?

O que eu adoro nesse período da história é que o custo da inovação está caindo, o que significa que os mercados emergentes também podem entrar no jogo. E eles são muito ágeis, muito empreendedores.

Vejo empreendedores incríveis na América Latina, que precisam atravessar muito mais obstáculos econômicos do que nós nos EUA. São empreendedores excepcionais, muito rápidos, decisivos, muito estratégicos, tanto do ponto de vista macro quanto micro.

MELI, no Brasil, é um exemplo de sucesso. Admiro essa gestão há muitos anos, como navegaram em situações voláteis e crises uma após a outra. 

As evoluções tecnológicas do presente estão dando aos empreendedores emergentes uma chance de competir nesse novo mundo. 

Estou bastante empolgada, e uma das coisas que queremos fazer, especialmente com nosso fundo de venture capital, é procurar essas joias desde cedo e aproveitar esse momento histórico.

O avanço dos ativos digitais também é uma oportunidade para emergentes?

A crescente adoção de ativos digitais vai forçar disciplina em países que não foram disciplinados antes. Isso é uma notícia boa e ruim para os mercados emergentes. 

Boa se os países olharem para os sinais do mercado e, ao virem suas populações se voltando para Bitcoin ou stablecoins, se forçarem a pensar com mais cuidado sobre suas políticas fiscais e monetárias.

Isso será uma decisão país a país. Haverá grandes vencedores e perdedores, porque pode haver um êxodo de moedas e crises cambiais se os países não forem cuidadosos. Então isso é uma consideração importante para os mercados emergentes.