Washington Olivetto – o gênio criativo em grande parte responsável por conferir status mundial à publicidade brasileira, com campanhas icônicas que se incorporaram ao vernáculo e à cultura popular – morreu neste domingo, depois de meses internado no Rio.
Ele tinha 73 anos.
“Morreu o maior de todos nós,” disse Nizan Guanaes, que hoje só queria ficar olhando o horizonte, pensando nos tempos em que Olivetto foi seu chefe e depois um um concorrente a ser superado, o que não era fácil.
“Ele foi mais que Pelé. Ele foi o João Gilberto. Mudou a maneira da propaganda falar. De americanizada e pomposa, ele fez dela brasileira e global.”
Particularmente entre os anos 80 e 90, Washington criou campanhas lembradas até hoje por pelo menos duas gerações: o primeiro sutiã da Valisère, o garoto Bombril, o cachorro da Cofap, o sapato 752 que ele fez Brizola e Maluf calçar para a Vulcabrás, e – last but not least – transformou a ‘democracia Corinthiana’ numa marca.
Também é de Washington a campanha memorável da Folha que afirmava ser possível “contar um monte de mentiras dizendo apenas a verdade.” No fim do comercial, aparecia o rosto de Adolf Hitler.
Jorge Ben Jor eternizou Washington com uma letra que exaltava sua agência premiada.
Alô, Alô, W/Brasil.
Jacarezinho.
Avião.
Um gênio de sensibilidade única, Washington se apropriava da cultura popular e acabava também por moldá-la, criando respostas inusitadas aos desafios dos clientes – e ganhando milhões ao longo da carreira.
Quando fundou a W/Brasil, foi o primeiro publicitário a ser capa de jornal – e o primeiro publicitário-celebridade do País, disse Rita Almeida, publicitária veterana, amiga de Washington e hoje estrategista da Almap.
Visionário, Washington compreendia a importância da área de planejamento e pesquisa para criar as campanhas. Como criativo, foi pioneiro a pensar a propaganda como “entretenimento sério,” e a compreender em profundidade o significado das marcas na vida das pessoas.
Também foi um dos primeiros a realizar testes prévios das campanhas com grupos de consumidores, antes de colocá-las no ar.
Washington Luís Olivetto nasceu em São Paulo, no bairro da Lapa, em 29 de setembro de 1951. Passou a infância isolado por conta de uma suspeita de poliomielite – o que o levou a aprender a ler sozinho, com os livros de Monteiro Lobato.
A carreira publicitária começou aos 18 anos, como redator.
Corria o ano de 1969 quando o pneu do seu Karmann-Ghia 69 furou em frente à agência HGP. Ele aproveitou e pediu um emprego. Um ano depois já estava na DPZ, uma das agências de maior sucesso da época e onde rapidamente se revelou um garoto prodígio.
Não tinha nem cinco anos de carreira quando ganhou seu primeiro Leão. Era um de bronze – mas numa época em que Cannes tinha pouquíssimos premiados. A campanha era uma propaganda para a Deca.
Um ano depois, levou um Leão de ouro com o filme “Homem de 40 anos”, que tratou do problema do etarismo muito antes dele se tornar um assunto.
Ainda assim, alguns publicitários criticam Washington por nunca ter abraçado – mesmo em anos recentes – temas como igualdade de gênero, diversidade e sustentabilidade.
Depois da DPZ, associou-se à agência suíça GGK, que passou a se chamar W/GGK no Brasil. Em 1986, ao lado dos sócios Javier Llussá Ciuret e Gabriel Zellmeister, assumiu o controle da agência e a renomeou W/Brasil, que acabou se tornando uma das agências de publicidade mais conhecidas do mundo.
A história da W/Brasil foi eternizada no livro de Fernando de Morais, Na Toca dos Leões. O livro conta como Olivetto era craque em criar anúncios de oportunidade. Quando o Papa João Paulo II condenou a pílula anticoncepcional, ele botou no ar um anúncio da Jontex, “o anticoncepcional sem contra-indicação.”
Seu maior trauma pessoal, como dizia em suas palestras, foi o sequestro promovido por um grupo terrorista de extrema esquerda do Chile. Washington ficou 53 dias em cativeiro, em 2001.
Em 2010, a W/Brasil foi vendida para a McCann, hoje do Grupo Interpublic, e foi um dos raros casos em que uma agência estrangeira permitiu que seu nome no Brasil estampasse a letra de um brasileiro na frente. Nascia a WMcCann.
Hugo Rodrigues, que sucedeu Washington como chairman, disse ao Brazil Journal que enquanto estiver à frente da agência, o W estará na porta.
“Além de reverenciar os melhores, temos que estar próximos deles, e perder o W seria imensurável.”
Washington será imortal como as marcas que eternizou.
“Bombril é só um exemplo,” disse Hugo. “Ele transformou um amortecedor em uma marca com memorabilidade inigualável. Ele fez Rider competir com Havaianas. Ele conseguiu ser tema de escola de samba. Um hit musical.”
Mas Hugo também reflete como é difícil, no mundo atual, replicar a genialidade de Washington, nesta era em que a comunicação tem doses cavalares de dados e métricas – e muito pouca coragem.
“A originalidade, apesar de sedutora, traz mais riscos e nem sempre as marcas querem correr tantos riscos.”
Em fevereiro, numa conversa com o Brazil Journal, Washington disse que há muito não gostava do que via nas propagandas, apontando a perda da qualidade de parte dos veículos de mídia e a obsessão por algoritmos.
Também reclamou que o politicamente correto inibiu a criatividade, e que a publicidade deixou de cumprir dois dos três objetivos a que se propõe: construir marcas e entrar na cultura popular. Na sua visão, a publicidade hoje “só ajuda as empresas a vender mais.”
Washington foi morar com a família em Londres em 2017. Brincava que, nos últimos anos, se transformou em “um dos poucos youtubers sêniores do mundo.” Nas vindas frequentes ao Brasil, gravava seu W/Cast na sala de seu apartamento em Ipanema, entrevistando amigos e antigos clientes.
Washington morreu depois de ficar internado quase cinco meses por complicações pulmonares.
Deixa a mulher, Patrícia, e três filhos: Homero e os gêmeos Antônia e Theo.
ERRAMOS
Uma versão anterior deste post atribuiu incorretamente a autoria da campanha da camisa do Fernandinho a Olivetto. A campanha é de autoria por Ruy Lindenberg.
Arte: Marcelo Chello