PORTO ALEGRE – A RBS deu início a uma reorganização societária para receber um novo grupo de acionistas, mantendo parte da família Sirotsky no núcleo de controle bem como no comando editorial da empresa fundada por seu patriarca há 65 anos.
A companhia – dona do jornal Zero Hora, da Rádio Gaúcha e a maior afiliada da TV Globo no País – passará a ter como acionista a TKPar, um veículo montado por Nelson Sirotsky e Fernando Tornaim, um empreendedor gaúcho de 41 anos com participação em dezenas de empresas.
Tornaim e a Maromar Investimentos – o family office de Nelson Sirotsky – detêm o controle da TKPar, que agrega pelo menos cinco outros empresários do estado que por ora se manterão anônimos.
Por meio de uma estrutura complexa, a TKPar vai garantir liquidez a membros da família que decidirem vender uma parte ou toda a sua participação até o final de 2024, quando a TKPar deve se tornar a controladora. As empresas não discutem os múltiplos, mas seis anos atrás a venda da RBS Santa Catarina ao empresário Carlos Sanchez foi feita ao redor de 5-6x EBITDA.
A transação está sujeita a aprovações regulatórias, incluindo o CADE.
Os investidores acreditam que, com a nova governança, a RBS voltará a crescer a receita, usando sua dominância num mercado de 13 milhões de pessoas para construir marcas e monetizar novas estratégias, do streaming a espaços temáticos.
Na nova estrutura, Nelson Sirotsky – o ex-CEO e ex-chairman da companhia – assumirá o papel não-executivo de publisher. Tornaim será o vice-presidente do conselho e, junto com Maurício Sirotsky Neto, filho de Nelson, vai liderar a RBS Ventures – o braço da companhia dedicado a novos negócios.
Claudio Toigo, CEO da RBS há seis anos, continuará na posição.
Nelson Sirotsky disse ao Brazil Journal que o movimento concretiza uma de três resoluções que ele fez em 2020, quando foi internado com covid logo no início da pandemia. Quando saiu do hospital, “prometi não vender minha casa – mantendo minha raiz em Porto Alegre – gastar mais tempo com meus filhos e netos, e nunca abandonar a RBS.”
O movimento oxigena a cultura corporativa da RBS trazendo capital, insights e sangue novo de fora da família, mas a implementação da nova estratégia será um laboratório da capacidade da ‘old media’ de se reinventar e monetizar melhor suas propriedades – uma seara sem um grande case de sucesso até agora.
Tornaim está longe de ser um estranho aos Sirotsky.
Depois de abrir seu primeiro negócio aos 18 anos, o empreendedor precoce vendeu a empresa à própria RBS, passando anos como executivo do grupo. Mais recentemente, Tornaim fez uma sociedade com a Rede Globo para criar o Globo Experience, um negócio de parques temáticos que usa o conteúdo da emissora. O primeiro parque estreou em março no Shopping Market Place, em São Paulo, e o plano é chegar a mais 10 cidades.
Dos 21 negócios de que Tornaim participa hoje, 12 estão ligados a entretenimento e experiências – uma expertise que será útil à RBS dada a massa de conteúdo gerada pela empresa.
Em meio à pulverização da audiência e à canibalização da publicidade offline por gigantes como Google e Facebook, a RBS até que não fez feio.
A companhia – que faturou R$ 900 milhões ano passado – conseguiu manter seu EBITDA estável ao redor de R$ 100 milhões nos últimos 5 anos – um negócio maduro mas de alto retorno. Na média composta dos últimos cinco anos, a receita da RBS declinou 4% ao ano, mas seu EBITDA, apenas 2%. Excluindo os jornais impressos, a receita teve queda anual de 2% e o EBITDA, um aumento de 1%.
“Na perpetuidade, só o que a RBS tem hoje já garante uma taxa de retorno adequada aos novos investidores,” disse Tornaim. “Mas achamos que há um potencial relevante de gerar novas receitas, explorando novas avenidas de crescimento tanto no negócio core de mídia quanto no braço de ventures [que investe em outros negócios]. Toda a receita gerada pela RBS Ventures já é upside para o investidor.”
Tornaim disse que as novas receitas virão de negócios como streaming, espaços e experiências, media for equity e a exploração de novos nichos de conteúdo.
“Com essa nova governança, a RBS vai poder correr mais riscos, ampliar seus horizontes, fazer mais,” disse Nelson.
O empresário – há décadas a face mais pública da empresa fundada por seu pai – disse que uma de suas prioridades será rever o modelo de relacionamento com os profissionais e a cultura interna para que a RBS não perca talentos para outras mídias.
Nelson também tem dito aos mais próximos que vai deixar a empresa nas mãos de uma nova geração e dos executivos – o que, dado seu estilo, parece altamente improvável.
Certa vez, num episódio que entrou para o folclore da companhia, o lendário jornalista Paulo Sant’Ana – que trabalhou no grupo por 45 anos – rebateu um executivo da empresa que o censurou por fumar dentro de sua sala.
“Esta sala é de Neeeelson,” rebateu Sant’Ana, com sua dicção familiar aos gaúchos. “To-das as sa-las são de Neeelson.”
Sant’Ana já se foi, mas sua leitura da RBS continua atual.