André Esteves acha que o BC poderia vender vender um volume maior de reservas, mas cortes adicionais na Selic levariam o câmbio a se desvalorizar e teriam efeito contracionista para a economia.
O controlador do BTG Pactual disse que algum estímulo fiscal é importante mas tem que ser disciplinado sob pena do Brasil repetir o erro de 2008, quando medidas anticíclicas acabaram se tornando permanentes e levaram o País ao abismo.
Esteves fez os comentários ontem à noite, numa conversa com investidores do banco.
Ele disse que o BC tem instrumentos para fazer a liquidez do sistema financeiro fluir para o setor real, e, sobre o lockdown, disse que o País tem que evitar o maniqueísmo.
“Não pode ser a batalha da preservação da vida contra a preservação da economia. Não pode ser nem ‘nada acontece’ e nem ‘lockdown indeterminado’.”
Abaixo, trechos selecionados.
LIQUIDEZ NA ECONOMIA
O Banco Central tem tudo para fazer uma atuação determinante, sem custo fiscal. O sistema financeiro não precisa de subsídio nenhum para poder irrigar o setor real. Acho que uma boa parte do trabalho pode ser feita via BC sem custo fiscal. O BC anunciou na segunda-feira a intenção comprar letras financeiras garantidas por empréstimos feitos pelos bancos, com uma overcolaterização, que nada mais é do que uma cópia do programa europeu que foi feito com muito sucesso há algum tempo atrás e está sendo repetido por alguns BCs no mundo inteiro.
Esse programa tem custo fiscal zero, tem subsídio zero e ao mesmo tempo consegue empurrar a liquidez do sistema financeiro para o setor real da economia fazendo a função primordial do sistema financeiro que é passar de poupança para crédito. Enquanto os canais estão meio emperrados o Banco Central pode cumprir esse papel.
VENDA DE RESERVAS
Acho que tem espaço para a venda de reservas sim. Pagamos um custo altíssimo para ter praticamente 20% do PIB em reservas cambiais, é um dos [percentuais] mais altos do mundo, em reservas líquidas.
O BC brasileiro tem basicamente US Treasuries. E se você olhar o que aconteceu com os nossos Treasuries dentro da reserva, com essa redução dos juros nos Estados Unidos, o Brasil teve um ganho significativo.
Estimamos no banco — essa conta é imprecisa, mas vamos fazer uma conta média com 7 anos de duration das nossas reservas — o Brasil teve algo como 10 a 15 bi de dólares de ganho pela redução da taxa de juros nos EUA.
Eu acho que, pra começar, tivemos esse benefício, quase um lucro que o País teve. E tivemos um segundo lucro: o País é aplicador líquido em dólar, temos muito mais reservas do que dívida pública dolarizada.
Acho que está na hora de usar esse seguro. Infelizmente, tivemos o sinistro e está na hora de usar o seguro. O Banco Central tem ido ao mercado, mas acho que ele poderia ir muito mais. Essa crise, tudo que cientificamente aprendemos é que ela é uma crise temporária: vai ter início, meio e fim.
Acho que estamos no meio (talvez um pouco antes do meio, talvez um pouco depois do meio) do pânico financeiro, e eu não gosto de ver a moeda continuar desvalorizando neste nível.
CORTE NA SELIC
Muita gente tem clamado por mais reduções de taxa de juros, mas eu não gosto dessa ideia. Na última rodada de redução de taxa de juros, eu já não era favorável. Obviamente você reduz a taxa de juros para ter um movimento expansionista na economia. Mas se a gente reduzir mais a taxa, o movimento vai ser contracionista na economia. Por quê? Porque a curva de juros vai empinar, o crédito vai ficar mais caro, o dólar vai se valorizar mais e os agentes vão ficar mais inseguros. O risco vai subir e portanto o crédito vai retrair.
O Brasil não é os Estados Unidos e a Europa, ainda não temos essa liberdade. Estamos vivendo pela primeira vez uma grande crise global em que não precisamos subir os juros — o que já é uma enorme notícia. Mas não ganhamos o direito de levar os juros a zero, se levarmos o juros a zero vai ter uma explosão financeira que vai ser muito pior do que se subisse o juros para 4,5% por exemplo, onde ele estava alguns meses atrás.
O juro tem que ficar onde está pelo menos durante esse pico de crise financeira. Pode ser que lá na frente tudo se estabilize, a inflação muito baixa, e você possa ter uma nova rodada de redução. Agora não é a hora de fazer isso.
ESTÍMULO FISCAL
Temos que usar o máximo dos nossos instrumentos sem impacto fiscal. As lideranças políticas não podem repetir o erro que cometemos em 2008 — que é muito recente e todos que estão em posição de destaque, seja no Executivo, Legislativo e Judiciário, se lembram.
Fizemos o pacote de estímulo, que foi correto e efetivo naquele momento de pico de crise americana, mas depois abandonamos o caráter anticíclico e ele passou a ser quase pró-cíclico e nos viciamos em estímulos excessivos quase como se tivéssemos perdido a calculadora, e não foi bom.
Agora, é quase obrigatório que a gente vá fazer alguma coisa estimulativa, acho que devemos fazer, mas temos que usar o máximo de disciplina. Tudo que não gostaria de ver é, por exemplo, dar um alívio para Estados e Municípios e isso virar aumento da folha de pagamento. Acho que os servidores já estão protegidos por receberem seu salário no final do mês, acho que nada precisa ser feito aí. Agora, transformar uma expansão fiscal num aumento de folha estadual e municipal não tem o menor sentido.
AJUDA ÀS PMEs
Acho que precisamos concentrar nas médias e pequenas empresas. Gosto do ajuste via Bolsa Família porque vai direto no bolso dos mais necessitados e tem um custo fiscal muito pequeno. O Governo está andando nessa direção e eu apoio. E via sistema financeiro dá para fazer muita coisa sem custo fiscal. Acho que tem uma ou outra coisa pra fazer via Caixa ou BNDES. Mas a nível de BNDES, eu temo um pouco pela agilidade do que a máquina vai conseguir entregar nesse pico de crise. A história e a excessiva judicialização brasileira não me fazem crer que o BNDES vai se mexer no tempo que o mundo financeiro necessita ou que a média empresa precisa, ou mesmo que o setor real e mercado de capitais necessite.
BNDES NA BOLSA
Se você ler o estatuto da BNDESPar, um dos objetivos dela é fomentar e estimular o mercado de capitais brasileiro. E se você olhar quase 30 anos de história da BNDESPar, ele já comprou e vendeu diversas vezes no mercado.
Não é porque estamos num programa de desestatização (que acho completamente necessário) que não possa fazer sentido a BNDESPar fazer um programa de compras, que vai gerar liquidez e uma certa tranquilidade na Bolsa brasileira. Além de não ter impacto fiscal, provavelmente ela vai ganhar muito dinheiro com isso e pode ser feito de uma maneira muito mais tranquila do que é feito em outros países.