Num momento pungente que sublinhou o sentimento de impotência da humanidade frente à pandemia, o Papa Francisco orou na Praça São Pedro, disse que Deus não abandona os seus e lembrou ao planeta que “ninguém se salva sozinho”.

10953 cd884667 cfa5 085a d1cf a950121150aa“Deus Todo Poderoso, olha para nossa condição dolorosa, conforta teus filhos e abre nossos corações à esperança,” pediu o Papa, antes de estender ao mundo a benção Urbi et Orbi (“à cidade de Roma e ao mundo”).

Na tradição católica, esta benção — normalmente dada apenas no Natal, na Páscoa, e depois da eleição de um novo Papa — carrega o poder de perdoar todos que a assistem pela TV, rádio ou internet e se arrependam de seus pecados.

Pela televisão, o impacto visual da cena foi amplificado por uma Praça São Pedro vazia — com Roma em lockdown — e molhada pela chuva do fim de tarde.

O Papa orou em frente à Salus Populi Romani (em português, ‘Protetora do Povo Romano’), a imagem da Virgem com o Menino Jesus que é um dos ícones mais importantes do Catolicismo e à qual se atribui o poder de exconjurar perigos e desgraças. A imagem teria sido pintada por São Lucas sobre uma madeira cortada pelo próprio Cristo na marcenaria de José.

Outra imagem poderosa compôs a cena: a cruz que fica na Igreja de São Marcelo al Corso, no centro de Roma, e foi levada na quarta-feira para a Praça São Pedro.

Os católicos atribuem ao crucifixo um caráter milagroso.  Primeiro, porque foi a única imagem religiosa a sobreviver a um incêndio que destruiu a igreja de São Marcelo em 1519.  Três anos depois, um novo milagre.  Em 1522, Roma estava sendo devastada pela “peste negra” quando, a pedido dos católicos, a cruz foi levada para o Vaticano em procissão, passando por cada bairro de Roma.  Depois de alguns dias, a peste cessou.

O ato do Papa sublinha a universalidade da fé como um apoio da humanidade no meio da pandemia, num tempo em que a ciência ainda corre atrás das respostas e os políticos tem agendas que variam do populismo ao oportunismo.

Na cerimônia do Vaticano, foi lida uma passagem do Evangelho de São Marcos que narra uma cena de medo.  Os apóstolos estavam em alto mar com Jesus quando uma grande tempestade atingiu seu barco no meio da noite, com muito vento e turbulência. As ondas quebravam dentro do barco, que se enchia d’água.

Segundo o Evangelho, Jesus dormia no fundo do barco.  Os discípulos o acordaram: “Mestre, não te importa que estamos morrendo?”  Ele se levantou, repreendeu o vento e o mar, e fez-se uma grande calmaria.

“Por que vocês têm medo?  Ainda não tem fé?”  Jesus perguntou.

O Papa comparou a angústia da pandemia à tempestade do Evangelho.

“Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades, apoderaram-se das nossas vidas com um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador que paralisa tudo.  Sente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares.  Estamos com medo e perdidos.  Como os discípulos, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furiosa, e nos damos conta de estar na mesma barca, todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários, todos chamados a remar juntos, todos precisando de encorajamento mútuo.”

“Nesta barca estamos todos,” disse o Papa, buscando a lente da câmera. “Todos.”