Quando morreu em 2010, aos 95 anos, a pintora e desenhista autodidata Niobe Xandó deixou para trás uma obra vasta e pouco conhecida, produzida entre os anos 50 e 90.

Uma das suas fases mais potentes, dentro de um repertório amplo, é a representação fantasiosa de flores carnívoras, beirando o abstrato. Sua forma de expressar a natureza, repleta de magia e metamorfoses, a aproxima das obras orgânicas de Ernesto Neto.

Essa aproximação inusitada entre dois artistas que nunca se cruzaram na vida é o que as galerias Fortes D’Aloia & Gabriel e Gomide&Co resolveram apresentar ao público na exposição conjunta Niobe Xandó & Ernesto Neto. Com curadoria de Julia de Souza, a mostra fica em cartaz até o final deste mês na casa modernista de Flávio de Carvalho, nos Jardins, em São Paulo.

“Essa exposição com a Niobe é uma dança de dois desconhecidos que se encontram em alguma curva do tempo; a curva da arte,” Neto disse ao Brazil Journal. Ele disse que não quis participar da montagem da exposição para que a curadoria pudesse trabalhar igualmente com dois ausentes.

Para Neto, foi uma experiência ver como será apresentado seu trabalho quando ele também não estiver por aqui. “Foi um grande presente sentir essa dança entre um artista vivo e outro no espaço sideral, entre duas galerias, dentro de um único espaço criado por outro artista, que foi o Flávio de Carvalho.”

Um artista internacionalmente conhecido, além de ser representado por galerias importantes no Brasil, Neto já teve individuais grandiosas nos grandes museus do mundo, como no Fine Arts de Houston, em 2021, a Pinacoteca de São Paulo em 2019, e no Guggenheim Bilbao em 2014, para citar apenas algumas exposições blockbusters do expoente da geração 80 carioca, junto com Adriana Varejão e Beatriz Milhazes.

Já Xandó, nascida em Campos Novos Paulista, é desconhecida do grande público. Começou a pintar obras figurativas na década de 50, mas sua obra caminhou para um imaginário fantástico próximo da abstração e da natureza. Além das flores, máscaras, letras e símbolos afro-brasileiros foram motivos recorrentes na obra da artista a partir dos anos 60.

O artista Rubem Valentim (em cartaz também até o final do mês na Galeria Pinakotheke, em São Paulo), foi um dos responsáveis pelo reconhecimento de Xandó, comparando-a ao artista suíço Paul Klee, ainda que a artista tivesse aversão a rótulos. A exemplo de Klee, ela foi experimental, o que dificultou encaixá-la em qualquer dos movimentos de arte no País dos anos 50 aos 90.

Também como Klee, Niobe criou flores delirantes – as dela eram plantas em proporções gigantescas, com formas explosivas e assustadoras. “Niobe Xandó pensou suas flores fantásticas na transição entre o dia e a noite, quando as cores do mundo adquirem aspectos suspeitos e indóceis,” explica o texto da curadora Julia de Souza.

Neto, por sua vez, tem sua obra calcada na expansão da escultura, trazendo a tensão entre a gravidade e a fragilidade como elemento estrutural, ativando o olfato com o uso de especiarias dentro das obras. Como a flor carnívora de Xandó, somos engolidos dentro da obra de Neto, ainda que involuntariamente. Cada um à sua maneira e no seu tempo se dedicou a repensar o primitivo em suas obras.

A redescoberta de Niobe coincide com a valorização de suas contemporâneas, entre elas Judith Lauand (que completou 100 anos no mês passado), Jandyra Waters (que fez 101 este ano) e Eleonore Koch, que morreu em 2018, com 92 anos, é conhecida como discípula de Volpi, e tem telas disputadíssimas fora do Brasil, por preços cada vez mais altos (em dólar).

Um grupo de artistas mulheres que, além do talento, têm a longevidade como marca. A arte não só salva, como faz viver muito.