BRASÍLIA – Há pouco mais de dois meses no cargo, Wadih Damous, o novo diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tem mandado diversos recados para as operadoras.
O primeiro é que a sustentabilidade da saúde privada e o equilíbrio econômico e financeiro do setor não são prerrogativa apenas das operadoras.
“A sustentabilidade não é só das empresas, é do consumidor também, porque o que pode acontecer com o reajuste abusivo é a pessoa não poder mais pagar o seu plano de saúde. Então, o que temos que fazer é respeitar o equilíbrio econômico financeiro dos dois lados,” Damous disse ao Brazil Journal.
Amigo do Presidente Lula, o advogado que iniciou a carreira na área sindical foi Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça antes de sua indicação para a ANS. Anteriormente, foi presidente da OAB no Rio de Janeiro e exerceu um mandato como deputado federal.
(Assista aos principais trechos da entrevista no vídeo acima.)
Seu nome era temido pelas operadoras justamente pelo viés pró-consumidor. Sua indicação também foi questionada por nunca ter atuado na área da saúde.
“Antes da sabatina no Congresso, no ritual do beija-mão, um senador, que foi deputado na mesma época que eu, me questionou sobre o fato de eu não ser médico. Respondi ‘olha, senador, tenho mais condição do que um médico para elaborar e interpretar uma norma, para aplicar a lei. Médico sabe fazer outra coisa’.”
Mas Damous reconhece ser um estranho no ninho e diz estar disposto a ouvir os diferentes elos que compõem a cadeia da saúde privada.
A ANS tem uma longa agenda de temas sensíveis para endereçar. Desde o fim do ano passado, a agência tem promovido consultas públicas para tratar do que pode ser a maior mudança regulatória desde a criação da agência – e já está na terceira rodada de consultas.
No caso dos cancelamentos unilaterais de contratos coletivos, Damous acredita que a agência terá que “regular pelas beiradas”, pois são assuntos que deveriam ser tratados no Congresso.
O STF se antecipou à agência e colocou na mesa um desses assuntos que tiram o sono das operadoras. Está em julgamento uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que trata da proibição de reajustes de planos de saúde por faixa etária para beneficiários com mais de 60 anos. Em 5 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso.
Já em relação aos reajustes dos planos coletivos,
pensa em uma alternativa radical. “Talvez seja necessário fixar um teto. Estou frisando o ‘talvez’. Isto possivelmente estará no mosaico da agenda regulatória.”
Outro tema que deve seguir em debate dentro da agência é o agrupamento do pool de risco, um assunto que impacta diretamente os contratos que cobrem até 29 vidas. A modalidade é a que mais cresceu no mercado nos últimos anos, tem 9 milhões de usuários e se tornou uma opção à falta de oferta de planos individuais. Ganhou o apelido de “contrato pejotinha”.
“Esses contratos são falsos coletivos. Você não pode dizer que um chefe de família – que queria contratar um plano individual para ele e seus filhos, abre uma pessoa jurídica e faz um contrato coletivo com duas ou três vidas da família – tem poder de barganha com uma operadora bilionária. Isso é uma piada.”
Damous tem dito que a resposta para esse problema é ampliar o agrupamento para 400 vidas e diluir o pool de risco dos contratos — mas esta saída criaria outros problemas. Críticos da ideia dizem que há estudos internos da agência mostrando que contratos para 100 vidas abarcariam cerca de 95% das empresas brasileiras.
Para um ex-diretor da ANS, “se a agência elevar o agrupamento para 400 vidas, ela pode incorrer num erro técnico, pois junta empresas de diferentes naturezas. Médias indústrias, por exemplo, passariam a pagar mais, pois transfere para a pequena empresa o reajuste que essas empresas maiores conseguem. Ou seja, dificulta a vida da média empresa.”
Nada disso, porém, resolve o principal problema do setor: os custos crescentes da saúde. Estimativas da consultoria Aon apontam para uma inflação médica de quase 13% em 2025, mais que o dobro da inflação geral.
“A chamada inflação médica continua sendo um mistério para mim. É o dobro, triplo, cinco vezes mais que a inflação geral? Onde é que está demonstrado isso?” diz Damous. “As operadoras precisam demonstrar esses dados e sair da retórica.”
Enquanto esse debate deve ser longo, Damous tem uma crise para gerir dentro do setor. A Unimed Ferj, que assumiu as dívidas e a carteira da Unimed Rio em 2024, está em crise financeira e seus beneficiários não têm conseguido atendimento.
Para o novo presidente da agência, a solução é simples: o sistema Unimed nacional assume os cerca de 509 mil beneficiários que enfrentam dificuldades com o atendimento.
“Estamos negociando com o sistema nacional da Unimed e espero que cheguemos a bom termo, porque se nós não alcançarmos na negociação, nós vamos alcançar pelos meios legais,” disse Damous. “Espero ver esse problema resolvido antes do final do ano.”
A mudança regulatória prometida ocorre em um momento de troca na diretoria colegiada da agência. Junto com o diretor-presidente, a servidora de carreira Lenise Secchin assumiu a vaga de Alexandre Fioranelli, que deixou a ANS em maio.
Dois outros diretores deixam a agência em 2026. A indicação dos nomes virá do Presidente Lula, mas a opinião de Damous deve ser levada em conta.
“Sinto falta de alguém mais afinado comigo,” disse Damous, que fica boa parte do tempo em Brasília, enquanto o restante da diretoria fica no Rio.
O novo diretor-presidente também crítica o atual modelo de funcionamento. “Infelizmente, o corpo técnico está em home office boa parte da semana. Acho uma escolha ruim. Está se normalizando algo que foi extraordinário na pandemia e não ajuda a criar uma cultura regulatória,” diz Damous.
Procurado pela associação dos funcionários da agência assim que assumiu, o novo presidente disse que, apesar de discordar do home office, não tomará nenhuma medida.
Damous espera que o novo texto da reforma administrativa faça isso por ele. A proposta limita o trabalho remoto a 20% dos servidores federais – e sob condições especiais.
O novo presidente da ANS também pleiteia uma ampliação no número de funcionários – hoje são 1.169 entre servidores e terceirizados — diante da decisão do STJ de que a ANS passará a regular o segmento de cartões de desconto, que hoje conta com mais de 65 milhões de clientes (número superior ao de usuários de plano saúde no País, 53 milhões)
Segundo o presidente da ANS, o orçamento da agência é o mesmo desde 2016, o que significa uma perda de R$ 16 milhões. “Se a gente tivesse condições de implantar inteligência artificial, por exemplo, talvez não precisasse de tantos funcionários.”
O problema é o custo de implantação do projeto. Como bem sabem as operadoras, os custos pesam. E muito.











