“Muitas vezes me indago por que alguém decide seguir a profissão de editor ou editora. Em que momento da nossa vida o destino mostra sua cara?”

Em busca de respostas a esses dois questionamentos, Luiz Schwarcz reconstrói sua trajetória como fundador da Companhia das Letras e compartilha reflexões sobre livros e leitores, editores e autores em O primeiro leitor – Ensaio de memória, que acaba de ser publicado. (Compre aqui.)

O primeiro leitor encontra equivalentes na literatura internacional, notadamente Max Perkins – Um editor de gênios, de A. Scott Berg, que conta a história do homem que cultivou talentos como Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe; At Random, de Bennett Cerf, que escolheu o nome de sua empresa para prestigiar a arte do acaso na indústria editorial; e Another Life, de Michael Korda, uma saga do processo de consolidação das editoras americanas. 

Em Fora de série – Outliers, Malcolm Gladwell revela os motivos que fazem algumas pessoas se destacarem em suas profissões. Dois capítulos apresentam explicações que se aplicam perfeitamente a Luiz.

Um deles trata da regra das 10 mil horas: é preciso praticar continuamente uma atividade 20 horas por semana, durante 50 semanas por ano, ao longo de uma década, para se tornar um expoente. O outro é sobre o que Gladwell chama de “sorte demográfica” – as condições socioculturais em que as pessoas iniciam suas trajetórias.

11383 6f58acfa c8ca eef0 a18a 588235ec842b

Vamos pensar então no jovem estudante de Administração da FGV que, aos 23 anos, no final dos anos 1970, pede ao professor Eduardo Suplicy ajuda para conseguir um estágio na Editora Brasiliense, uma das casas mais prestigiadas do Brasil, liderada por Caio Graco Prado. Naquele momento, a empresa desenvolvia o projeto Leia Livros, um jornal de resenhas que reunia profissionais como Cláudio Abramo, Caio Túlio Costa e Matinas Suzuki.

Foi nesse ambiente que Luiz fez suas 10 mil horas em apenas cinco anos – primeiro como administrador, depois assumindo o processo de edição e iniciando um trabalho fundamental de divulgação dos livros junto à imprensa. Sua trajetória na Brasiliense foi coroada com a publicação da coleção Primeiros Passos, uma das iniciativas mais bem-sucedidas do mercado editorial nos anos 1980.

Mas o sucesso tem seu preço e, no mundo dos livros, os egos muitas vezes geram conflitos insustentáveis. Luiz, que mantinha uma relação muito próxima com a imprensa, passou a ganhar destaque, o que acabou comprometendo sua relação com Caio Graco.

Em 1985, ele deixa a Brasiliense e dá um passo ousado: cria sua própria editora, um movimento gigantesco para quem já conhecia as dificuldades do mundo editorial. Um personagem adorável, José Paulo Paes – tradutor e poeta paulista, um dos “pais postiços” que Luiz teve ao longo da vida – foi fundamental na escolha do nome da nova casa. José Paulo sugeriu batizar a editora de Letras & Companhia. Luiz gostou das palavras, mas preferiu invertê-las. Nascia, em 1986, a Companhia das Letras.

A experiência que Luiz acumulara se refletiu no estilo moderno da nova empresa, construída desde o início com um time de mulheres talentosas, como Maria Emilia Bender, Marta Garcia e Heloisa Jahn.

Mais tarde, sua esposa, a historiadora Lili, se juntou ao grupo que estabeleceu um padrão de qualidade editorial acima da média do mercado. A partir daí é notável a quantidade de conexões que Luiz vai fazer.

Em O primeiro leitor, ele elege como protagonistas grandes autores já falecidos com quem construiu relações muito próximas: Paulo Francis, Susan Sontag, José Rubem Fonseca, Amos Oz, Oliver Sacks, Jô Soares e José Saramago. Mas ao longo do texto, desfila um rol impressionante de escritores que compõem o acervo da Companhia e com os quais também manteve contato.

A força da sua história está no cruzamento com a trajetória desses personagens fascinantes. Ao lado deles, Luiz viveu momentos inesquecíveis. Durante um desfile de carnaval que passou com Zé Rubem Fonseca, pregou uma peça num grupo de bêbados dizendo que estavam diante do maior escritor brasileiro: Jorge Amado. Por duas vezes, o editor teve a rara oportunidade de estar presente na entrega do Nobel de Literatura, prestigiando José Saramago e Kazuo Ishiguro.

Personagem complexo, Luiz já tinha desnudado suas fragilidades no livro O ar que me falta. Neste Primeiro leitor, ele se coloca muitas vezes como uma pessoa discreta, mas sua atuação no mercado sempre foi muito assertiva, como fica claro na conquista de Zé Rubem para o elenco da editora.

Dificilmente teria alcançado tanto sucesso como editor se fosse diferente. Curiosamente, sua atuação foi mais reconhecida pelos agentes e editores internacionais do que pela indústria brasileira. Em 2017, tive o prazer de de vê-lo receber o Lifetime Achievement Award da Feira de Londres. Luiz foi precursor de várias iniciativas em prol da difusão do livro no Brasil – a principal delas, a criação da FLIP, a Feira Literária de Paraty.

Com excelentes reflexões sobre o ato de escrever, a arte de editar, o papel do leitor e os caminhos para tornar um livro conhecido, esta é uma obra indispensável para quem se interessa pelo métier e, principalmente, para quem ama os livros.

Marcos da Veiga Pereira é sócio da Editora Sextante.

 

MAIS LUIZ SCHWARCZ

Em ‘O ar que me falta’, Luiz Schwarcz expõe toda sua fragilidade

O apelo de um dos maiores editores do País: salvemos as livrarias