LONDRES — Os museus mais relevantes da Europa estão disputando a chance de exibir os modernistas brasileiros, gerando uma turnê do movimento pelo Velho Continente.

A exposição monográfica sobre Tarsila, que estava em cartaz em Paris, estreia no Guggenheim de Bilbao na semana que vem, e aqui em Londres, Brasil! Brasil! O Nascimento do Modernismo encabeça a programação da icônica Royal Academy of Arts até 21 de abril, depois de quatro meses no Zentrum Paul Klee, em Berna.

O Modernismo chegou com moral. Tomou conta das principais salas do museu londrino. 

Michelangelo, Da Vinci e Rafael, estrelas de uma mostra sobre a Alta Renascença que ocupava o espaço, foram realocados para uma galeria secundária.

Muitos atribuem o recente apelo internacional do Modernismo brasileiro à recuperação do legado de Tarsila, que começou com a retrospectiva do MoMA em 2018. 

Mas Adrian Locke, o curador-chefe da Royal Academy, tem outra hipótese.

“Artistas brasileiros associados ao Neoconcretismo – como Mira Schendel, Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape – têm recebido atenção e reconhecimento,” Locke disse ao Brazil Journal. “Consequentemente, há interesse em entender melhor suas trajetórias e quem os precedeu, dado que esses movimentos anteriores tendem a ser menos bem representados em coleções de museus fora do Brasil.”

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Apesar de o título evocar o nascimento do Modernismo brasileiro, a mostra tenta construir pontes com o Concretismo que se desenvolveu no País posteriormente — e consequentemente com o Neoconcretismo.

“Essas conexões nos mostram como a arte neoconcreta surgiu e contam a história de um ‘capítulo escondido’ da arte brasileira,” disse Locke.

Entre a dezena de artistas presentes na exposição, nomes como Anita Malfatti, Tarsila e Cândido Portinari dividem as salas da Royal Academy com outros menos óbvios e mais tardios, como Djanira, Alfredo Volpi e Rubem Valentim. 

“Consideramos importante olhar para o Modernismo de forma ampla e incluir artistas menos conhecidos e diversos, de diferentes origens socioeconômicas e formação artística,” disse Locke.

Com premissa tão ampla, o desafio da curadoria foi conseguir conectar visual e esteticamente mais de 130 obras, produzidas entre os anos 1910 e 1970. 

O resultado é uma exposição dividida em mini retrospectivas dos artistas presentes, com alguma estrutura cronológica e constantes mudanças estéticas.

A exceção é a sala inicial, onde obras de Tarsila, Portinari, Lasar Segall e Roberto Burle Marx se juntam numa espécie de abre-alas.

Ali, também há registros da primeira exposição de arte moderna brasileira na Royal Academy, bancada por Oswaldo Aranha em 1944. Depois disso, o Modernismo esteve na Barbican Art Gallery, em 1984, e só voltou ao Reino Unido agora.

Nada mais justo, então, que o cânone do movimento fosse apresentado primeiro ao público britânico.

Anita Malfatti e seu Homem de Sete Cores (1915/16) logo introduzem o verde e a folha de bananeira, enquanto o Lago (1928), de Tarsila, e o Menino nu e tartaruga (1923), de Rego Monteiro, destacam a importância das formas para o movimento.

Mas o caos não demora a reinar.

O expressionismo de Portinari em Os Retirantes (1944) e o surrealismo de Flávio de Carvalho em Ascensão Definitiva de Cristo (1932) tiram o visitante da zona de conforto recém-criada e abrem espaço para ainda mais transformações, entregues com brilhantismo por Volpi e Rubem Valentim.

Volpi, como se sabe, fez da simplicidade das bandeirinhas de São João a protagonista de suas pinturas de fachadas. Valentim, talvez o ponto alto da mostra, inseriu elementos do candomblé em composições e esculturas potentes. Composição 3 (1955) parece saltar da parede.

Na última sala, fotos e pinturas de Geraldo de Barros ajudam a completar o sinuoso caminho da exposição entre Modernismo e Concretismo. 

Depois dessa aula, os europeus podem esperar tranquilos a retrospectiva de Lygia Clark, que chega à National Gallery de Berlim em maio.