Quem espera uma enorme taxa de renovação entre os congressistas ou a ascensão de um outsider ao Planalto vai acabar frustrado.
Apesar de toda a polarização na sociedade, a eleição deste ano deve ser mais do mesmo: uma disputa entre PSDB e PT, os dois acenando com moderação, em direção ao centro, e sem o radicalismo que se espera na campanha.
A visão é do cientista político Alberto Almeida, sócio do Instituto Análise, que presta consultoria para empresas privadas e é autor de diversos livros, entre eles ‘A Cabeça do Brasileiro’, de 2007 — baseado numa ampla pesquisa sobre o que ele chama de ‘valores enraizados’ da população e que ratificou impressões importantes, como o apego do brasileiro ao Estado.
Em 2016, Almeida apareceu num grampo da Lava Jato, aconselhando o ex-presidente Lula a aceitar um ministério de Dilma para ganhar foro privilegiado. Ele minimiza o episódio: “Eu trabalho para empresas e não para políticos. E para isso tenho que conversar com todos os políticos, do PSDB ao PT” e diz que tem pouco trânsito no PT. “Eles são muito fechados, o PSDB é mais fácil”.
Para Almeida, Bolsonaro deve desidratar, e Lula — a quem julga ‘moderadíssimo’ — não concorrerá este ano por conta dos problemas com a Justiça, mas conseguirá levar ao segundo turno o candidato que indicar, com o discurso de que está sofrendo uma perseguição dos poderosos para destruir os direitos dos trabalhadores.
Na outra ponta, Geraldo Alckmin deve prosperar ao acenar um pouco mais à esquerda, repetindo o duelo entre tucanos e petistas que caracterizou as últimas seis eleições.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Estamos num dos cenários mais polarizados pré-eleição: de um lado, o Bolsonaro bem à direita e de outro, o Lula à esquerda. O que podemos esperar?
Existe uma análise equivocada de que tem uma polarização. O Bolsonaro talvez seja mais radical e tenha conseguido espaço assim. Mas o Lula não é, e o PT não é. O Lula é um cara moderadíssimo. Você não consegue dizer, nos oito anos de presidência, nenhuma medida radical que ele tenha tomado. Quem afundou o País foi a Dilma, o Lula não tem nada de radical.
Quando ele está na rua, ele só fala de consumo. Ele diz: “a população passou a consumir menos, tem menos acesso [ao consumo]”. É um discurso pequeno-burguês que ele sempre teve. Quando ele está em grupos mais nichados, como professores da UERJ, ele fala coisas mais radicais, mas aquilo não dá voto. O que dá voto é falar de consumo, você está falando de um eleitorado de 145 milhões. Ele sabe muito bem que o radicalismo não elege.
Inclusive, ele já andou falando que tem que haver moderação. Tanto ele quanto o Alckmin falaram que tem que se ter moderação. Já saíram notícias de que o Lula quer fazer uma carta à classe média. O que significa acenar para a classe média? Ir para o centro, no caso do Lula. Não falar só de pobres. E o que significa pro Alckmin ir pro centro? É ir para a esquerda. E ele está indo. Essa coisa de política social, falando que o liberalismo por si só é selvagem…
Mas não tem um componente de ‘vingança’ no discurso do Lula, uma posição mais inflamada do que aquela dos dois primeiros mandatos, por conta das denúncias da Lava Jato?
Político que está no topo da cadeia alimentar, como Lula ou Alckmin, não se vinga de ninguém. O cara é 100% político. Tem o ‘nós contra eles’, mas isso é normal. Sempre tem o meu lado e o lado de lá. O lado de lá eu critico, e o lado de cá eu defendo. O jogo é este. A cabeça do Lula é muito simplória. E na política basta ter uma cabeça simplória para se ter sucesso.
Por enquanto, tanto ele quanto o Alckmin estão segurando as bases. O Alckmin já foi a todos os municípios de São Paulo desde que tomou posse. Ele tem uma máquina formidável no Estado e está cuidando dela. E o Lula, ao fazer a caravana do Nordeste e Minas, foi atrás de segurar o eleitor dele. Os dois estão fazendo o dever de casa absolutamente correto: ‘tenho que segurar os meus eleitores, aqueles que me garantem a competitividade na eleição’. Não acho que tenha discurso radical ao fazer isso.
Recentemente, o ex-ministro Nelson Jobim disse que era preciso desinterditar o debate para se viabilizar uma candidatura ao centro. O que você está dizendo é que o centro já está formado?
O centro está pronto. Como sempre esteve. O cenário é mais do mesmo. Lula é centro-esquerda e o candidato de centro-direta é o Alckmin. A gente teve seis eleições presidenciais — excetuando o Collor — e em todas elas deu PT ou PSDB, e um é centro-esquerda e o outro centro-direita.
O Estado de SP coloca o candidato do PSDB no segundo turno e o Nordeste coloca o candidato do PT no segundo turno. Tem sido assim de 2006 para cá. A maior probabilidade é que isso se repita, na minha visão.
Hoje talvez seja a maior chance de um outsider dentre todas as eleições. Tem uma crise econômica e uma crise política profunda. O eleitorado olha e fala: ‘pioraram minha vida e ainda por cima estão roubando, põe um cara aí de fora’. Mas esse cara aguenta uma campanha eleitoral?
E qual a chance da candidatura do Bolsonaro prosperar?
Baixa. E aqui o meu raciocínio tem uma certa complexidade. Quando você tem candidatos de partidos grandes, como PT e PSDB, a campanha gravita em torno de grandes temas. Ambos tem uma bancada grande no Congresso e diversos governos estaduais. Então eles vão se atacar nesses termos: ‘o que você fez no governo de Minas foi horrível’ e o PT vai dizer ‘sua bancada aprovou a reforma trabalhista’. Os candidatos vão falar coisas erradas, dar alguma escorregadela, mas nesse densidade imensa, essas escorregadelas são uma coisa pontual, uma bobagem.
O Bolsonaro não. Qual a bancada dele? Qual o governo estadual? Para qualquer um da terceira via — Ciro, Bolsonaro, Huck — é uma campanha em torno das declarações deles. Falou uma bobagem, vai ter que se explicar o tempo inteiro. O que foi a Marina no passado? Falou uma coisa, se contradisse e teve que ficar se explicando.
E dadas as indefinições com a Justiça, você acha que o Lula vai de fato ser candidato?
Não trabalho com esse cenário sendo o mais provável. Mas o candidato indicado por ele vai pro segundo turno. Ele vai indicar dizendo o seguinte: ‘estão querendo tirar direitos do povo, se você é contra isso, vote fulano’. A narrativa está pronta: tiraram a Dilma para prejudicar o trabalhador em seus direitos e agora querem impedir o Lula de concorrer para prejudicar os trabalhadores em seus direitos. É esse o discurso: são os poderosos de um lado, empresários, PMDB, etc, contra os trabalhadores e o PT defendendo os trabalhadores.
E, nesse caso, quem seria o candidato do PT?
Não sei, ainda está longe. Eu não sei se o Lula avalia que seja bom ele ser candidato. Você era presidente com 80% de aprovação, por que que ele vai querer ser de novo? Todo partido gostaria de ser um PRI mexicano, que ficou 30 anos no poder. Como é o cálculo dele? Tenho que deixar todo mundo em volta do PT. Para isso, tenho que ser candidato, porque tenho voto. Mas chegando mais perto isso pode mudar.
E qual a narrativa do outro lado?
Não está clara porque até outro dia o Alckmin tinha um competidor dentro do PSDB. Ainda não está clara a narrativa para uma série de coisas: reforma da previdência, PMDB, Temer, então tem vários ajustes. Mas para o PT é mais fácil. Se você é oposição, está fora do governo, fica livre para criticar.
Por ‘default’, a campanha do Alckmin não seria ‘sou o anti-Lula’?
Quem está fazendo isso é o Bolsonaro. O Alckmin vai ter que pegar o eleitor alckminista do Estado de SP que hoje declara voto no Bolsonaro e trazer para ele. Mais antipetista que o Bolsonaro ele não vai conseguir ser, então vai ter que ter algo mais propositivo.
Você acha que a frase ‘os partidos tradicionais acabaram’ é falsa?
Você pode olhar partido de três maneiras: como governo, como ente eleitoral e como organização. Como organização eles estão debilitados. O PT sempre foi o mais forte, mas está sem quadros e tem um trabalho de reconstrução. O PSDB é forte em São Paulo, tem reuniões, diretórios, mas é fraco fora do Estado.
Do ponto de vista eleitoral, PSDB e PT continuam lá, firmes e fortes, porque eles têm a máquina. O PT teve um desempenho desastroso na última eleição municipal, mas quando você vai para eleição presidencial, o Lula está lá, liderando as pesquisas. E o PSDB teve um desempenho estrondoso na eleição municipal do ano passado.
Ninguém está dando atenção para o aumento da preferência partidária do PT, desde que a Dilma saiu. Tem uma pergunta do Datafolha que é: ‘qual partido você prefere?’. Antes de a Dilma sair, era abaixo de 10%. Agora, está em 21%. O máximo que o PT teve foi de 29%, antes dos protestos de 2013.
Você acredita numa renovação no Congresso?
Muda o primeiro nome e continua o sobrenome. Quem vai ser eleito? Ex-prefeitos, ex-deputados estaduais… Quem tem chance de eleger bastante deputado é o centrão. Eu acho que a taxa de reeleição será maior entre os deputados que absolveram o Temer nas denúncias, porque serão os que terão mais recursos, por meio das emendas que ele liberou.
Quando se fala da renovação, todo mundo só olha para o lado da demanda. Tem que olhar do lado da oferta, e é o seguinte: políticos que tem problemas vão querer disputar eleições com unhas e dentes para manter seu foro privilegiado. Mesmo que caia o foro, ele garante acesso ao poder, tem informação, conversa com os ministros… Isso é importante para se defender.
E tem outra coisa. Quem entra na política ganha um monte de processo nas costas. Aos montes. Quem é que vai querer ser processado?
O Partido Novo está cheio de candidatos.
É, mas o voto é proporcional, tem que ter voto pra caramba. Você pega um partidão que tem 200 candidatos. Um cara tem contato com não sei quantos prefeitos, que têm contato com não sei quantos vereadores, que tem contato com não sei quantos líderes comunitários. Você tem uma pirâmide que quando chega lá embaixo tem um exército de três mil pessoas mobilizando. O Novo não tem ninguém.
Você fez uma ampla pesquisa em 2002 sobre as percepções e a relação da população com uma série de valores, inclusive a relação com o Estado. Nesse sentido, você acha que o discurso do liberalismo, que tem emergido em partidos como o Novo, é vendável para a população?
Esses valores mais enraizados dão os limites da campanha. E dentro desses limites tem uma margem de manobra. O que eu sei de campanha eleitoral, com os dados de todas as eleições presidenciais, é que o eleitor está querendo alguém que melhore a vida dele. O eleitor de classe média costuma associar isso ao PSDB, e o abaixo da classe média vê isso no PT.
É o velho “it’s the economy, stupid” — que aqui no Brasil vai ainda mais longe: é o consumo, num país com uma população carente e com uma demanda reprimida imensa.