Como cresce pouco há quatro décadas, a economia brasileira é incapaz de prover oportunidade de trabalho e vida digna e segura a parcela considerável da população.
Quais as chances de revertermos esse quadro nos próximos anos?
Para termos maior crescimento e menos pobreza, são necessários: estabilidade fiscal e monetária; um aumento da produtividade; estabilidade política e governabilidade.
Vejamos como estamos em cada um desses itens.
Estabilidade fiscal e monetária
Na questão monetária, demos um passo à frente com a autonomia do Banco Central, que não parece estar ameaçada. No entanto, a política monetária pouco pode quando a política fiscal é ruim: em tal contexto, o custo da estabilidade de preços passa a ser mais alto – mais juros, menos crescimento.
A política fiscal tem trazido mais notícias ruins do que boas.
Começando pelas boas, tivemos a reforma (incompleta) da previdência, a suspensão da prática dos aumentos reais do salário mínimo (que elevavam muito o custo dos programas sociais e eram pouco eficazes como instrumento de redução da pobreza), uma trava temporária no aumento da folha de pagamento dos três níveis de governo e o fim do uso do BNDES e demais bancos públicos como instrumento de política parafiscal.
Mas, do lado negativo, temos a captura do orçamento pelas lideranças do Congresso, por meio das emendas parlamentares e do aumento do financiamento das eleições e dos partidos. Juntos, já consomem R$ 39 bilhões – fora do controle do Executivo.
A política fiscal tem sido inconsistente, procíclica e de alto risco: o Governo Federal está aumentando despesas e benefícios tributários, em caráter permanente, com base em um aumento temporário de receitas. Uma receita para uma crise fiscal lá na frente.
Argumenta o governo que houve aumento permanente (estrutural) da receita. Mas os números mostram ganhos decorrentes da inflação e do boom de commodities, tipicamente transitórios.
Ademais, parte da melhoria dos resultados fiscais de curto prazo está sendo obtida mediante atraso no pagamento de precatórios judiciais, formando uma bola de neve a ser paga a partir de 2027, quando cessará a regra de pagamento parcial desses débitos.
Em política fiscal, previsibilidade é (quase) tudo. Duas grandes mudanças na regra do teto de gastos (a PEC dos Precatórios e a PEC Kamikaze) já liquidaram seu poder de ancoragem das expectativas fiscais.
Abriu-se novo conflito entre União, estados e municípios com a lei federal que limitou, unilateralmente, as alíquotas máximas de ICMS sobre combustíveis e energia.
Esses conflitos sempre acabam com a conta sendo repassada ao Governo Federal, bem como estimulam os governos subnacionais a gastarem mais, sabedores da possibilidade de repassar a conta para a União mediante novas ações judiciais. Mais incerteza fiscal.
A força política de alguns grupos organizados conseguiu emplacar uma miríade de benefícios tributários e aumentos de gastos. Nenhum deles sujeito a avaliação de custo-benefício. Leva quem se organiza melhor e grita mais alto. O Ministério da Economia não tem tido força para resistir.
No passado recente foram contemplados: agentes de saúde, enfermeiros, caminhoneiros, taxistas, portadores de deficiência, usineiros, produtores culturais, hotéis, igrejas, universidades privadas, setores com desoneração da folha de pagamentos, produtores de semicondutores, portos, empresas de transporte coletivo, produtores de gasodutos, donos de pequenas centrais hidrelétricas, grandes e pequenas empresas devedoras do fisco, militares, fabricantes de caminhões, microempreendedores e pequenas empresas.
Muitos outros estão na fila, com grande chance de aprovação.
Permanece a inviabilidade política de reformar programas públicos de alto custo e baixa eficácia, a exemplo do Abono Salarial, do Seguro Defeso, do Salário Família, da dupla proteção ao desemprego formal (Seguro Desemprego e FGTS) e dos critérios distorcidos de acesso ao BPC e à aposentadoria rural. Tentou-se impor uma redução dos benefícios tributários na PEC dos Precatórios, mas de lá para cá eles só aumentaram.
O saldo na política fiscal parece bastante negativo, pois compraram-se boas notícias de curto prazo pagando-se com deterioração de médio e longo prazo.
Produtividade
Para crescer mais, é preciso que os setores públicos e privados gerem mais resultado com menos insumos. Esse ganho de produtividade é o motor do crescimento, e o governo pode induzir melhorias por meio de regulações e políticas.
Há algumas novidades positivas nesse campo.
A privatização da Eletrobras vai permitir uma gestão mais eficiente em uma empresa de importância central para a economia. A criação do PIX e a agenda de melhoria regulatória do Banco Central estão elevando a eficiência da intermediação financeira. O Programa de Parceria de Investimentos (PPI) tem feito andar o pipeline de concessões, embora não esteja sendo muito efetivo em consumar privatizações óbvias, como a da Casa da Moeda e dos Correios.
Também há avanços no marco regulatório da cabotagem e das ferrovias, na redução do crédito subsidiado via BNDES (que viabilizou o florescimento do mercado privado de crédito de longo prazo), na nova lei de recuperação judicial e falências (que acelera o fim de empresas inviáveis e aumenta as chances de recuperação das viáveis), na automação de serviços públicos e na desburocratização.
Até mesmo na difícil agenda de abertura comercial houve melhorias marginais: redução (temporária) de alíquotas no âmbito do Mercosul e limitações a práticas protecionistas, como o uso de “preço de referência” e o abuso nas medidas antidumping.
Por outro lado, aprofundaram-se travas históricas à produtividade. A principal delas diz respeito à educação básica. A despeito do aumento das transferências federais ao fundo da educação básica (Fundeb), o ensino público continua refém da agenda das corporações de professores e servidores, de influências políticas sobre a gestão escolar e da agenda equivocada do Governo Federal.
Daí resultam escolas fechadas por muito mais tempo que em outros países; impossibilidade legal de premiar os profissionais de bom desempenho; incapacidade de reproduzir em grande escala experiências bem-sucedidas, decorrentes da quebra das resistências políticas locais; e o foco em agendas irrelevantes, como homeschooling e escolas cívico-militares.
Sem recuperar a educação não há futuro brilhante à frente. E sem políticas eficientes de redução da pobreza, fica difícil superar as dificuldades de curto prazo.
A substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil quase triplicou o gasto, porém deturpou os critérios de seleção das famílias e de cálculo dos benefícios.
Ao fixar um valor mínimo por família (e não mais por pessoa) induziu as famílias a “se dividirem” para fins cadastrais de modo a receber o benefício em dobro. Isso diminui o poder de cada real aplicado em reduzir a pobreza.
Ainda no setor público, há uma forte queda na qualidade do investimento, agora quase todo feito por meio de emendas parlamentares: sem planejamento, sem priorização, e focado em ganhos eleitorais e financeiros proporcionados ao autor da emenda. A prevalência de políticas favoráveis a grupos de pressão (elencadas acima) também reduz a capacidade do setor público de entregar serviços que agreguem valor para toda a sociedade.
A captura política e o enfraquecimento das agências reguladoras e do CADE têm feito a festa dos oligopólios privados em prejuízo da modicidade tarifária, da qualidade dos serviços, da concorrência e do cumprimento dos contratos de concessão.
Além disso, a ideia de um estado indutor do crescimento – via subsídio a investimentos de setores selecionados – continua forte nas principais vertentes políticas a despeito dos sucessivos fracassos nas últimas décadas.
Isso facilita a vida dos lobbies empresariais a favor de proteção comercial e de vantagens específicas. Suprime-se a competição e a absorção de tecnologia, dois fatores centrais para o aumento de produtividade. A incapacidade de fechar e operacionalizar acordos de comércio relevantes é um sintoma claro dessas resistências.
Outra distorção que tem apoio político da direita à esquerda é a interferência ad hoc sobre preços de combustíveis e energia – incluindo pressão política sobre a Petrobras e sobre a Aneel. Isso indica instabilidade de regras e impossibilidade de que prospere um mercado privado com múltiplos concorrentes.
Nada se fez para melhorar outro calcanhar de Aquiles da produtividade: o manicômio tributário.
Talvez o esgotamento do ICMS como fonte confiável de receita para os estados acabe por induzir um consenso sobre a reforma da tributação do consumo em direção a um imposto sobre valor agregado. Essa oportunidade já existia antes da crise atual e foi desperdiçada pelo governo.
Em suma, em termos de produtividade nos setores público e privado, demos alguns passos para a frente e outros para trás, sem encaminhar soluções para problemas centrais.
Estabilidade política e governabilidade
Neste quesito concentram-se grandes deteriorações.
O que se pode esperar de positivo é apenas o efeito retardado da reforma eleitoral de 2017, que, ao implementar cláusula de desempenho, pode levar à redução do número de partidos com representação no Congresso. Isso diminuirá a fragmentação política e facilitará a formação de coalizões majoritárias, necessárias à aprovação da agenda do Executivo no Congresso.
A lista de retrocessos, por sua vez, é pesada.
Comecemos pela queda dramática das condições de governabilidade do Executivo: a permanente ameaça de impeachment, o crescimento das emendas parlamentares obrigatórias ao Orçamento, as restrições crescentes às medidas provisórias, as seguidas derrubadas de vetos presidenciais, e os decretos legislativos anulando decisões administrativas do Executivo.
Criou-se um sistema em que o Legislativo tem poder, mas não é responsabilizado pelas consequências das políticas nas quais interfere. E o Executivo continua a ser responsabilizado por políticas sobre as quais perdeu a capacidade de ditar as regras.
Dada a baixa orientação ideológica dos partidos e a fragmentação da representação no Congresso, a agenda acaba sendo comandada por alguns líderes em posição de mando e seus aliados mais próximos.
Usa-se a política pública para incrementar os businesses privados dos parlamentares ou para atender os grupos de pressão com maior capacidade de mobilização. Os partidos, por sua vez, tornaram-se empresas maximizadoras de fundo partidário e eleitoral, em benefício de seus “donos”.
Há também um processo de naturalização da corrupção. Seja na anulação de processos pelo STF por alegadas falhas processuais, seja pela inércia dos órgãos de controle e do Judiciário frente às evidências de corrupção no uso de dinheiro público, em especial nas emendas parlamentares.
Também há naturalização da violência.
Houve, por exemplo, a ampliação do acesso legal a armas, a ponto de traficantes se habilitarem legalmente a comprar um arsenal.
Tanto as milícias e o tráfico quanto as forças militares e de segurança estão entrando para a política partidária, cada uma com sua agenda, todas elas resultando em mais violência e menos efetividade do Estado na garantia da segurança e da lei.
Desconfianças fabricadas e ameaças ao sistema eleitoral completam a lista dos retrocessos institucionais sobre a política e a governabilidade.
Conclusões
Os avanços são bem-vindos, mas parecem tímidos frente aos retrocessos e à impossibilidade de encaminhar soluções para travas históricas. No passado recente, nossa mediocridade foi amenizada ou agravada pelas flutuações da economia internacional, em especial pelos preços de commodities.
Voltar a crescer por décadas, de forma consistente, requer muito mais que surfar nos choques positivos vindos de fora.
Temos que garantir estabilidade fiscal, monetária e política, bem como garantir condições de governabilidade, para que o país possa superar os choques internacionais negativos e ter propulsores internos para o crescimento.
Marcos Mendes é pesquisador associado do Insper e organizador do livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”. O autor agradece os comentários de Alexandre Rocha e Thais Vizioli, isentando-os de eventuais erros.