A reforma tributária demorou mais de meio século para acontecer. Agora, querem regulamentá-la em duas semanas.

A tramitação do projeto de lei da regulamentação é preocupante.

Já se sabia que o Presidente da Câmara daria pouco espaço para debates para garantir a aprovação célere do projeto, mas o atropelo com que o assunto tem sido tratado surpreende até quem tem anos de experiência em Brasília.

Por que tanta pressa, se a transição só começa em 2026?

Arthur Lira insiste que o projeto seja aprovado antes de 18 de julho. A correria se explica porque Lira quer a reforma como um troféu, parte de seu legado pessoal.

O problema é que, logo após o Governo enviar o texto para a Câmara, o projeto ficou quase um mês parado antes da definição do Grupo de Trabalho que o avaliaria, gastando um tempo precioso.

Depois disso, o que se viu foi uma verdadeira corrida contra o tempo com a realização de dezenas de audiências públicas um dia após o outro. 

Eram tantos os inscritos para falar sobre o texto que, não raro, os palestrantes tinham apenas cinco minutos para expor seus pontos. Paralelamente, parte dos membros dos GTs atendiam aos contribuintes em reuniões a portas fechadas, de curta duração, também com muita pressa. 

Em um único dia, os deputados chegavam a participar de quase 60 reuniões.

A formação de Grupos de Trabalho já é algo problemático por si só e foge ao trâmite legislativo normal. Um processo democrático exigiria que um projeto tão complexo, com nada menos que 500 artigos, passasse pelo escrutínio cuidadoso das comissões da Câmara. 

A composição dessas comissões segue regras previstas na Constituição, no Regimento Interno e em atos da Mesa Diretora, e precisa observar o princípio da proporcionalidade partidária.

Já os tais grupos de trabalho são formados por ato unilateral do presidente da Câmara, são compostos por deputados de sua escolha pessoal, sem critério público algum, e não obedecem a ritos no que concerne ao exame de emendas, representatividade, e sequer tem trâmite legislativo. 

Os GTs servem, basicamente, para escapar do necessário debate que ocorreria em uma Comissão Permanente ou Especial – um processo alternativo que favorece quem tem acesso privilegiado nas entranhas do Legislativo.

Em paralelo, há outros 17 projetos preparados pelas Frentes Parlamentares, que foram despachados para as comissões respectivas, onde devem descansar em paz, como num cemitério. 

Ora, por que os projetos feitos pelo Parlamento foram para as comissões, enquanto o do Governo é submetido ao fast track? Não é o próprio Lira quem mais prega a necessidade de se prestigiar o Legislativo?

A situação ainda piorou nos últimos dias, quando noticiaram que o presidente da Câmara teria proibido a apresentação de emendas aos projetos da reforma na votação em Plenário. Como as emendas no Plenário exigem assinatura de um quinto dos deputados, um acordo entre os principais partidos tornaria impossível chegar a essa quantidade de assinaturas. 

Lira refutou a notícia, mas em Brasília ninguém acredita que qualquer partido ou deputado (exceto os de oposição) apresentará qualquer emenda neste contexto. Com isso, seguimos a sina de não debater a fundo o projeto.

A reforma tributária é um tema complexo, árido, e muito diferente do Powerpoint distribuído pelo Governo e da narrativa reducionista ufanisticamente reproduzida pela maior parte da imprensa. É preciso calma.

A fase de teste dos novos tributos começa só em 2026. Há, portanto, muito tempo hábil para um debate maduro.  O Presidente da Câmara deveria permiti-lo, e não interditá-lo.  

Este sim seria um grande legado.