O Brasil já foi o País dos “pacotes econômicos”, enfiados goela abaixo da sociedade – sem conversa, sem aviso, sem planejamento – talvez uma herança do autoritarismo militar, quando sequer democracia havia.
Mas ao longo dos anos – e de diversos governos – a sociedade brasileira foi encontrando a sua voz, e deixou de ser aceitável os burocratas e tecnocratas de Brasília fazerem o que quiserem, quando quiserem, como quiserem.
Talvez esta seja a principal questão, digamos filosófica, no anúncio do IOF que incendiou os mercados desde ontem à noite, fazendo o Governo perder ainda mais uma credibilidade que já lhe era escassa.
É parte do discurso histórico do PT dizer que faz “diálogo com a sociedade” – desde que a “sociedade” sejam os movimentos sociais, os artistas, os sem-terra.
Pouca interlocução tem sido dada neste Governo Lula 3 – particularmente a quem produz e gera a renda e o emprego. Empresários e investidores – mesmo os “rentistas” que financiam o eterno déficit federal – não deveriam ser tratados como se fossem o quartinho de despejo do Palácio, onde se entulha (goela abaixo) as medidas para fazer fechar as contas. “Foda-se; eles têm muito,” pensa o tecnocrata petista.
A economia global não está para amadores – vejam o mundo lá fora – e enquanto isso o Governo brasileiro não tem técnica de jogo, só bate uma pelada.
É várzea.
O clusterfuck que o mercado assiste desde ontem, no anúncio conjunto do contingenciamento de verbas e do aumento do IOF, confirmou o que já se sabia: é um Governo bom de fazer gol contra.
É verdade que o Ministro Haddad sofre derrotas particulares dentro do próprio Governo – mas mesmo tendo empatia pelo Ministro, é inaceitável que ele jogue assim, dando caneladas nos companheiros de equipe. (O capital, afinal, é parte do mesmo time, e não um membro do time adversário, como raciocinam os virtuosos representantes do trabalho.)
Em vez de apertar qualquer botão disponível no painel de controle, como um macaquinho mal treinado, o Governo precisa observar a realidade e – quem sabe – trabalhar com ela.
Enquanto o Orçamento da União prevê receitas de R$ 2,930 trilhões para este ano, ontem descobrimos que o Governo agora espera R$ 2,900 tri. A frustração na receita era de “apenas” R$ 30 bi. O problema é que os gastos estão vindo acima do esperado – obrigando o Governo a cortar gastos ou levantar receita. Um economista estima que o contingenciamento deveria ser de R$ 50 bi, pelo menos.
Ainda assim, o mercado tinha colocado no preço do possível um contingenciamento de R$ 10 bi. E foi assim que, quando primeiro piscou nas telas a notícia de que o contingenciamento seria de R$ 30 bi, a Bolsa – que estava no zero a zero – subiu 1%, e o dólar caiu 1%.
O Governo parecia estar levando o fiscal a sério, e os investidores reagiram na hora. Um dólar em queda faz a inflação perder força, e o Brasil melhora.
Mas, sabendo que precisava mesmo era de R$ 50 bi, o Governo foi buscar os R$ 20 bi que faltavam no aumento do imposto.
Imediatamente, o dólar subiu, o clima azedou, e o Brasil piorou.
A Fazenda bolou um plano genial para levantar R$ 20 bilhões este ano e R$ 40 bilhões no próximo – destruindo centenas de bilhões de reais de valor em toda economia. A credibilidade e a confiança do investidor não são itens no Orçamento da União, mas são “barras de ouro que valem mais do que dinheiro,” como dizia Silvio Santos.
No fundo, no fundo, aqui há uma problema duplo de soberba – de um Governo que não “dialogou” e é liderado por um partido acostumado a deter o monopólio da verdade – e de incompetência: uma incapacidade dos técnicos de prever os efeitos de segunda ordem.
“Mas não temos mais onde cortar! Já estamos no osso! Noventa por cento dos gastos são obrigatórios!” dirão em sua defesa.
Ora, por que passaram dois anos e meio de mandato sem propor uma nova reforma da Previdência?
A Eletrobras vale R$ 96 bilhões na Bolsa, e o Governo tem 40% dela. Por que não vendem para levantar o dinheiro?
Por que este Governo não vende um pedaço da Petrobras?
Por que não vendem ativos em vez de taxar mais ainda uma economia travada?
Por causa do óbvio: este Governo não acredita em abrir mão de nada da máquina – e aposta que o contribuinte sempre vai tolerar pagar “um pouquinho mais.”
Enquanto isso, na Argentina, um país que já teve seis taxas de câmbio diferentes, o Presidente “fascista” Javier Milei liberou o câmbio e disse aos argentinos: “Seu dinheiro. Suas escolhas.”
Quando o capital é bem tratado, instala-se um círculo virtuoso na economia. Quando é enxovalhado, temos esta lambança que está aí.