Em 1993, o Governo Clinton decidiu leiloar o acesso ao espectro eletromagnético, cujas licenças até então eram distribuídas por sorteio. Mais tarde, muitas vezes as licenças eram revendidas, pois quem as recebia nem sempre era o mais apto a operá-las. Os sorteados levavam de graça um bem público.

A teoria econômica mostra que, em algumas condições, existe uma solução eficiente de mercado que garanta o equilíbrio entre oferta e demanda. O problema é que essas condições não são satisfeitas no caso do acesso ao espectro eletromagnético. (A solução eficiente requer que os bens possam ser divisíveis, o que não ocorre com as licenças de acesso.)

Além disso, como há relativamente poucos operadores de espectro, eles podem influenciar os preços obtidos dependendo de como fazem as suas ofertas.

Por fim, há uma dificuldade adicional. Considere a venda, por exemplo, de uma empresa que possua diversas unidades produtivas. Alguns podem atribuir maior valor à compra do conjunto da obra. Outros, podem preferir comprar apenas parte dos ativos.

Será mais eficaz leiloar todos os ativos simultaneamente, ou vender cada unidade produtiva em separado?

O desafio do governo Clinton era garantir que todas as licenças fossem adquiridas e que os compradores pagassem o maior valor possível. A opção foi por um mecanismo desenvolvido por Paul Milgrom, Robert Wilson e Preston McAfee denominado Leilão Ascendente Simultâneo.

Todas as licenças foram oferecidas simultaneamente em sucessivas rodadas. Os preços aumentavam caso houvesse excesso de demanda por alguma licença. Os incrementos de preços, porém, não foram propostos pelos compradores, mas sim pelo vendedor, afinal sempre há o risco de conluio.

Além disso, foi adotada uma regra de atividade: um potencial comprador só poderia dar um lance em uma rodada se o tivesse feito na rodada anterior. A razão era evitar que alguns participantes manipulassem o processo de formação de preços, e apenas fizessem lances posteriormente de modo a adquirir as licenças desejadas a um menor preço.

O leilão só terminou quando os preços garantiram a venda simultânea de todas as licenças.

O New York Times chamou o processo de “O Maior Leilão da História”, com receita de alguns bilhões de dólares em 1994, e o caso disseminou o uso de leilões tecnicamente mais elaborados. Os detalhes são descritos por Paul Milgrom no livro “Putting Auction Theory to Work”.

Teoria Microeconômica: o que quer e o que pode essa língua?

Bob Wilson e Paul Milgrom receberam o Nobel de Economia de 2020 pelas suas muitas contribuições para a teoria econômica e o desenho de soluções criativas para o funcionamento dos mercados.

Ao longo dos anos, por exemplo, ficou patente a necessidade de se expandir o investimento em infraestrutura sem fio da internet, seja porque passamos a maior parte do dia conectados, seja pelos avanços como a Manufatura 4.0, a internet das coisas, a digitalização do comércio e os pagamentos que requerem conexão. No entanto, como em quase tudo, há oferta limitada de espectro que possa viabilizar essa expansão da infraestrutura de internet.

O que fazer? Enquanto passamos cada vez mais tempo em nossos telefones, o tempo em frente à televisão tem diminuído. Uma solução possível é realocar o espectro utilizado por canais de TV para uso de internet.

Há, no entanto, uma enorme dificuldade: os canais de TV têm direito de propriedade sobre o espectro que utilizam. Seria necessário, portanto, compensá-los para se desfazer deste direito.

Um dos mais importantes resultados em teoria econômica, o teorema de Roger B. Myerson (que recebeu o Nobel em 2007) e Mark A. Satterthwaite, mostra que esse problema pode ser insolúvel.

Caso a barganha entre os grupos ocorra com alguma assimetria de informação, não haverá mecanismo que simultaneamente: i) induza a participação de vendedores e compradores; ii) seja eficiente (isto é, faça com que os ativos sejam alocados aos mais aptos a operá-los); e iii) não gere déficit (isto é, não necessite de recursos para cobrir a diferença entre o que os compradores pagam e os vendedores recebem).

Em outras palavras: não é possível que compradores e vendedores participem de maneira voluntária e os governos obtenham receitas com as vendas de ativos. O Teorema de Myerson e Satterthwaite indica que não há como as partes chegarem a um resultado eficiente por meio de negociações no mercado secundário de espectro.

Milgrom e Ilia Segal, seu colega em Stanford, foram chamados a propor um desenho prático para tratar do problema. Eles desenharam o Leilão de Incentivos para implementar a realocação do espectro. A sua proposta fazia uso de uma ideia inteligente (o direito de propriedade do canal de TV é preservado se ele for movido para outro espectro) e contou com a parceria de cientistas da computação (mover canais que queiram exercer seu direito de propriedade pode gerar um problema de interferência entre diferentes usuários de espectro e evitá-las requer considerar computacionalmente inúmeras restrições).

O resultado? Sete bilhões de receita para o governo americano e mais de dezenas de bilhões para os vendedores.

Duas Lições 

Em sua tese de doutorado, orientada por Wilson, Milgrom esclareceu que o modelo básico da teoria econômica de meados do século passado não era uma teoria de formação de preços. Existem mecanismos de negociação que agregam toda a informação disponível e que não inibem os agentes a pagar para adquiri-la. Milgrom estudou, em especial, um tipo de leilão tecnicamente conhecido como “de segundo preço”, que, em certo sentido, emula a hipótese de um mercado competitivo.  

Naquela época, outra área da economia, a Teoria dos Jogos, encontrava-se em uma encruzilhada. Suas previsões para diversos modelos — como a concorrência de uma cadeia de lojas incumbente com potenciais entrantes em diversos mercados — eram inequívocas, mas estavam em contradição com os resultados obtidos em experimentos, que começavam a se tornar comuns em economia.

Seria preciso uma nova teoria de como os agentes se comportam em situações com interação estratégica? David M. Kreps, D. John Roberts, Wilson e Milgrom mostraram que não.

Com variações do modelo tradicional, que incorporassem, por exemplo, uma pequena componente de informação incompleta (os agentes econômicos não conhecem perfeitamente os seus competidores), a gangue dos quatro mostrou que efeitos reputacionais geram exatamente os resultados observados nos dados experimentais.

Esses trabalhos ajudaram a consolidar a teoria dos jogos como um dos principais instrumentos dos economistas e deram origem a uma nova e enorme área de pesquisa que explica fenômenos como a cooperação em jogos repetidos um número finito de vezes, por que banqueiros centrais optam por controlar a inflação, ou a razão pela qual os países soberanos decidem pagar as suas dívidas.

As lições ensinadas nas encruzilhadas – entender os detalhes do processo de formação de preços e incorporar aspectos específicos de assimetria de informação aos modelos econômicos – foram essenciais quando Milgrom e Wilson passaram a desenhar mercados no mundo real.

A economia não se reduz à ideologia. Vale a pena conhecer um pouco da técnica.

 
Marcos Lisboa é presidente do Insper. Vinícius Carrasco é sócio e economista-chefe da Stone e professor de economia da PUC-Rio.