LOS ANGELES – Na rua que batizou o reality show Selling Sunset, o roteiro agora é outro: o Sunset Boulevard virou um corredor cheio de placas de “for lease”, numa cidade que já foi o centro de gravidade da cultura mundial.

Mais de um em cada três imóveis comerciais está vago, enquanto Nova York e Miami rodam perto de 15%. Empregos em cinema e TV caíram 42% em dois anos, a produção encolheu e a ocupação de estúdios está no piso desde 1995. O desemprego local supera o da Califórnia e o dos EUA; a classe criativa se esvai enquanto Miami captura capital, talentos e agenda.

Em meio a esse plot, uma vez por ano, a Bloomberg ainda junta os polos da mídia na mesma sala. Na terceira edição do Screen Time, sentaram-se do CEO da Netflix à cúpula da Warner e da Disney, da prefeita de LA ao head do Instagram — com Jimmy Kimmel no palco.

O consenso: as streaming wars ficaram para trás. Em 2025, o valor não está no número de assinantes, mas no tempo licenciado. Minutos que viram receita. Propriedade intelectual que vira patrocínio de atração física, seja na TV da sala, num novo parque em Abu Dhabi ou num restaurante da Netflix.

Criando mundos que capturam o tempo

A Disney transformou licença em infraestrutura: lidera o licenciamento global, acelera parques, vende patrocínio dentro das atrações e recentemente reajustou — novamente — seus ingressos para quase US$ 300 em dias de pico.

A Netflix saiu do streaming para endereços físicos com as Netflix Houses e entrou no calendário esportivo. A Warner Music negocia biopics e docuseries para levar catálogo ao cinema e à TV. A Meta leva o Instagram para o sofá, disputa com o YouTube e amplia minutos monetizáveis sem comprar direitos. E o filho do segundo homem mais rico do mundo, agora também dono do TikTok nos EUA, segue comprando ativos, e pagando prêmio.

Make Hollywood Great Again

Para “salvar” LA, Trump anunciou Mel Gibson e Jon Voight como comissários. Enquanto LA perde tração, Miami continua crescendo na cultura pop: o cantor The Weeknd comprou uma casa em Coral Gables por US$ 54 milhões; restaurantes como Pura Vida, Casa Tua e Faena se expandem para outras cidades americanas, quando antes Miami só importava.

O impacto da indústria que enfraquece LA pesa na economia local: emprego anêmico, desemprego acima da média nacional e reconstrução após os incêndios no Pacific Palisades. No evento, a prefeita Karen Bass, no palco antes de Jimmy Kimmel, criticou Trump sem apresentar um plano claro para trazer a indústria de volta. Política à parte…

The Show Must Go On

A Disney trata o licenciamento como engrenagem há quase 100 anos. Em 2024, o varejo de licenciados somou cerca de US$ 63 bilhões; sua divisão Experiences entregou US$ 34,2 bilhões de receita e US$ 9,27 bilhões de resultado, sustentando um plano de US$ 60 bilhões em parques, cruzeiros e produtos.

Para continuar capturando tempo, precisa investir em mais mundos. Nos parques, patrocínio é cenário: TRON é “presented by Enterprise”; Pandora assina os fogos do Magic Kingdom; o Bank of America patrocinou it’s a small world por anos, acordos que variam entre US$ 5 milhões e US$ 20 milhões por ano.

No digital, a Disney investiu US$ 1,5 bilhão na Epic Games para criar um “universo persistente” conectado ao Fortnite — licenciamento com margem de software. E há um novo endereço: um acordo com a Miral para resort e parque em Abu Dhabi, num modelo de royalties e serviços criativos. “Eu entro com a magia; você coloca o capital. De quebra, ganho o tempo dos árabes.”

Bog Iger

Nada disso é acidental: a compra da Lucasfilm por US$ 4 bilhões em 2012 já rendeu múltiplos em bilheteria, consumer products, streaming e parques. Sob Bob Iger, Lucasfilm e Marvel superam três vezes o retorno. Mais IPs, mais mundos, mais tempo.

Netflix and Play

A Netflix aprendeu que permanência vale mais do que estreia. Abriu as primeiras Netflix Houses em Dallas e um restaurante em Las Vegas. As franquias viraram metragem com fila, experiências de Stranger Things, Squid Game e Bridgerton, loja, F&B e patrocínios de Xfinity e ações com Mastercard, IP faturando todos os dias.

No ao vivo, além do licenciamento da WWE por US$ 5 bilhões em 10 anos e dos jogos da NFL por US$ 150 milhões no Natal passado, agora tenta conquistar a Champions League por mais US$ 5 bilhões.

Faltava o game no sofá: depois do celular, os joguinhos chegaram à TV com controle via smartphone e foco em party games. Sessão esticada dentro do app, não dispersa em outro dispositivo. Tempo alocado no “tudum”.

Warner: da Madonna à Dua Lipa nas telas

A Warner Music, do oligarca e bilionário russo Len Blavatnik, opera com mentalidade de estúdio: transformar catálogo em narrativa audiovisual para capturar horas, não só streams. Catálogo parado é dinheiro perdido. Robert Kyncl, o CEO da empresa avaliada em US$ 16 bilhões, busca parceiros para levar histórias de Madonna a Cardi B para as telas. IP que nasce em áudio vive mais quando vira biopic ou docuseries, perpetua novas gerações e mantém a música no play.

O novo media mogul vem da Oracle

David Ellison, o filho de Larry, monta um império em ritmo de Succession da vida real. Depois de assumir a Paramount, quer comprar a Warner Bros. Discovery e entrou no acordo para controlar o TikTok nos EUA. A fusão de agosto criou a Paramount Skydance, desenhada para rodar Hollywood com lógica de tecnologia e M&A disciplinado; escala para disputar tempo de usuário, não só share de bilheteria. O apetite é real: pagou US$ 1,5 bilhão por South Park e US$ 7,7 bilhões pelo UFC em 7 anos – sem precedentes no setor. Ele acredita que pode tornar mídia mais Vale do Silício e menos narrativa.

O Insta quer ser TV

Adam Mosseri, o head do Instagram, prepara um app de TV do Instagram para sessões longas na sala. Adaptar o formato curto ao living room aumenta o inventário conectado sem comprar ligas ou conteúdo exclusivo de Hollywood. É transformar o feed em prime time com a rede de influenciadores que já cria conteúdo, de graça. O YouTube reina nas TVs; a Meta ainda é majoritariamente móvel. Ir da mão ao controle remoto é capturar mais tempo.

Todos querem ser Hollywood

Hoje, todos querem ser influenciadores. CEOs viram criadores no LinkedIn e no Instagram, marcas viram produtoras, creators viram CEOs em Wall Street. Já não há vergonha nisso. A máxima é simples: quanto mais tempo de atenção eu tenho de você, mais rico eu fico. O jogo agora é comprar e vender tempo, alongar a jornada e levar o próprio mundo a quem entrega frequência.

Por anos, a briga era por assinaturas. Nos próximos, vence quem transforma cada hora em múltiplas moedas: ingresso, patrocínio, produto, assinatura. A Disney cobra cada vez mais caro para entrar em seus mundos e para marcas aparecerem dentro deles. A Netflix constrói os seus em tijolo e serviço. A Warner captura valor quando o IP recorrente circula onde a audiência já está. A Meta quer levar o feed para o sofá. E a dinastia da Oracle tenta transformar mídia em tecnologia, e controlar a narrativa.

A próxima década não pertence a quem soma assinantes. Pertence a quem cria universos onde o público escolhe ficar — e onde as marcas pagam para existir.

Kaio Philipe é o CMO da Inter&Co.