A indústria de IPOs  o processo pelo qual as empresas contratam bancos para marcar reuniões com investidores e vender suas ações pela primeira vez na Bolsa  está sob ataque.


Hoje, no Vale do Silício, um grupo de investidores de venture capital e fundadores de startups está se reunindo com um objetivo inusitado: redesenhar completamente o modelo de abertura de capital — um dos negócios mais antigos e lucrativos de Wall Street.

Em pauta: as vantagens do direct listing, modelo usado recentemente por empresas como Spotify e Slack; e as ineficiências do IPO tradicional, que em tese sub-avalia as empresas, fazendo com que os fundadores e investidores originais deixem (bastante) dinheiro na mesa.

Um estudo de Jay Ritter, um professor da University of Florida conhecido como o Mr. IPO, tenta provar com números essa tese. Ritter mediu o dinheiro que as empresas deixaram de ganhar nos IPOs, subtraindo o preço de fechamento das ações no primeiro dia de negociação do valor estabelecido pelos bancos nas ofertas dos últimos 40 anos e depois multiplicando pelo número de ações.

O resultado é de arrancar os cabelos: de 1980 até hoje, as empresas que abriram o capital deixaram na mesa US$ 170 bilhões  dinheiro que poderia ter ido para o caixa ou para o bolso de seus investidores, mas que acabou nas mãos do buyside.

Só no ano passado, as empresas deixaram de ganhar US$ 7 bi por essa ineficiência de mercado, diz o estudo.

Outro insight: dentre os bancos de investimento, a Goldman Sachs foi a que mais sub-avaliou as empresas no período. Dos 111 IPOs que ela liderou, 33% foram sub-avaliados, segundo Ritter. Na sequência ficou o Morgan Stanley, o Jefferies e o Bank of America.

“Eu acho que o Vale do Silício é vítima dessa piada ruim há cerca de quatro décadas, em termos da maneira como o processo tradicional de IPO funciona,” Bill Gurley, o fundador da gestora de VC Benchmark Capital (uma das primeiras investidoras do Uber e WeWork), disse à CNBC. “Quanto mais eu estudo e comparo com o direct listing mais eu me dou conta disso.”

Segundo ele, num processo de IPO tradicional  em que os bancos fazem roadshows com investidores, pedem para que eles passem suas demandas e depois montam o book da oferta   a meta de “overallocation” é em geral de 20 vezes.

“20 vezes sobre a oferta é um eufemismo para: ‘estamos prestes a ignorar intencionalmente 95% da demanda pelo seu papel,” disse ele. “Esse processo só começa a fazer sentido se você pensar que o trabalho deles [dos bancos] é passar o máximo de lucro possível para o buyside... O cliente não são as startups, é o buyside.”

No direct listing, esse problema seria resolvido, já que as ações são negociadas direto na Bolsa e o preço inicial definido por leilão com base na oferta e demanda.

É basicamente o mesmo padrão e tecnologia usado para abrir o preço de qualquer ação todos os dias na Bolsa.

Outras vantagens do modelo: não existe o mecanismo de lock-up, que proíbe os investidores de vender suas ações por um período de 90 dias ou mais; e os custos para as empresas são sensivelmente menores.

Para se ter uma ideia, na listagem do Spotify a empresa vendeu US$ 9,2 bilhões em ações e pagou para os três bancos que a aconselharam cerca de US$ 35 milhões em taxas — um fee de menos de 0,5% do valor movimentado. Num IPO, as comissões dos bancos chegam a 7% do valor da oferta.

direct listing começou a chamar a atenção por uma mudança na dinâmica do mercado.

Hoje, as startups têm demorado mais tempo para abrir o capital, levantando uma quantidade enorme de recursos em rodadas privadas e criando uma base grande de investidores. O resultado disso é que a Bolsa tem funcionado mais como uma saída para esses investidores iniciais do que como forma de levantar mais dinheiro.

É o terreno fértil para a disseminação do direct listing, que funciona apenas como uma oferta secundária, sem a emissão de novas ações e a captação de recursos para o caixa da empresa.

O direct listing não é a primeira tentativa de reinventar os IPOs.

No começo dos anos 2000, algumas companhias  a mais conhecida delas o Google  decidiram ir a Bolsa usando um processo conhecido como dutch auction (ou leilão holandês), criado pelo banco de investimentos WR Hambrecht.

Na prática, ele tentava maximizar o capital que as empresas poderiam levantar permitindo que os investidores fizessem ofertas indicando quantas ações queriam comprar num determinado preço. A empresa sairia com o preço mais alto que garantisse a venda total da oferta. Mas o modelo nunca chegou a ganhar tração.

Com o direct listing, a grande dúvida no mercado é se ele terá a mesma eficácia com companhias pouco conhecidas e que tenham dificuldade de gerar interesse espontâneo dos investidores — e não apenas os Spotifys e Slacks do mundo.