O Vale do Silício acaba de lançar um app que quer transformar gastadores em poupadores — senão com a força de vontade, com a força de um algoritmo.digit-logo-branded.f49fc955

Você baixa o app — chamado Digit — no celular, e conecta sua conta bancária a ele.

O Digit tem um algoritmo que monitora basicamente quatro parâmetros: quanto você tem na conta; quanto tem a receber (seu salário), as contas que terá que pagar e quanto você tem gasto por mês. Dependendo do banco onde você tenha conta, o Digit consegue acessar e analisar seu histórico financeiro dos últimos três anos.

Aí, a cada dois ou três dias, depois de fazer seus cálculos, o Digit transfere automaticamente o dinheiro que você não deve usar — “geralmente 5 ou 50 dólares”— para uma outra conta: uma conta do próprio Digit.

Mas calma: essas são contas “de custódia” que o Digit mantém em bancos de primeira linha norte-americanos, e que são portanto garantidas pelo Fundo Garantidor de Crédito de lá (o FDIC) até um saldo máximo de 250 mil dólares.

O usuário também pode ajustar o nível das transferências mensais e, claro, pode sacar as economias a qualquer tempo (basta mandar uma mensagem de texto para o app).

A pegadinha é que os juros que esses recursos vão render na conta do Digit não são seus, e sim apropriados pelo próprio app — pelo menos enquanto o Digit não descobrir outra forma de ganhar dinheiro, esta é a fonte de receita do seu modelo de negócios.

O fundador e CEO do Digit, Ethan Bloch, que se confessa obcecado por finanças pessoais “desde que ganhei meu primeiro dinheirinho no meu Bar Mitzvah”, está trabalhando no app há dois anos e meio.

Bloch acha que os bancos comerciais tem pouco incentivo para oferecer inovação para o cliente médio porque eles ganham dinheiro com os dois extremos do espectro social: os clientes sem muita grana, que vivem pagando juros do cheque especial, e os clientes muito ricos, que pagam muitas comissões sobre a administração de seu dinheiro.

Na fase beta, que durou cinco meses, os usuários do Digit economizaram em média 5,5% de sua renda mensal.

A coluna ainda não decidiu se essa ideia é bizarra ou sensacional — provavelmente, é as duas coisas.

Bizarra, porque qualquer pessoa com um mínimo de educação financeira ou racionalidade sabe a importância de poupar, e não deveria ser necessário um aplicativo para te induzir a fazer algo que deveria ser ato contínuo.

Por outro lado, dada a falta de educação financeira e racionalidade no mundo, um aplicativo que obrigue o gastador a se tornar um poupador parece ser justamente a ideia simples que faltava para salvar muita gente da bancarrota inevitável.

digit-balanceO Digit consegue se conectar a 2.500 bancos e cooperativas de crédito nos EUA. A empresa quer lançar o app em outros países, mas não tem planos imediatos.

Não está claro se o Digit teria tanto apelo no Brasil, onde os bancos já fazem aplicações automáticas do dinheiro que fica ocioso na conta — sim, é um juro quase irrelevante, mas ainda assim, uma renda que fica com o cliente.

O Digit diz que muita gente vai usar o app para economizar “para aquela viagem de férias”.

Mas quem garante que o usuário, ao ver que o saldo acumulado cresceu um pouquinho, vai resistir à tentação de sacar tudo antes de consumar a tão planejada viagem? (Talvez seja necessário um outro app para induzir essa força de vontade.)

Também não está claro por que uma pessoa persuadida a poupar “por algoritmo” não pode ser convencida a abrir uma conta de poupança e depositar umas moedinhas ali todo mês.

Mas Bloch acha que tem uma boa resposta para isto. Ele diz que os banco comerciais desestimulam o cliente a poupar porque a experiência do cliente é “cheia de fricção e inércia”. Não deixa de ser verdade. Para boa parte do público, os produtos bancários são coisas impenetráveis, os gerentes muitas vezes não sabem explicá-los, e uma agência bancária, com seus cinquenta tons de cinza, frequentemente é um lugar pouco convidativo, ainda mais para um millennial.

Numa entrevista ao site The Verge, Bloch resumiu assim sua oportunidade de negócios: “A experiência de varejo bancário hoje é basicamente a mesma que havia 500 anos atrás na Holanda.”