O leilão de transmissão de hoje cedo na B3 surpreendeu o mercado com os maiores lotes ficando nas mãos de construtoras privadas, que ofereceram deságios exorbitantes.
O leilão é o primeiro de três que devem gerar R$ 50 bilhões em investimentos no setor. O leilão de hoje continha nove lotes, com investimento total de R$ 15,7 bilhões e uma receita anual permitida (RAP) de R$ 2,6 bi.
Os lotes 1 e 2, que representavam cerca de metade do valor total do leilão, foram arrematados pelo Consórcio Gênesis (formado por uma transportadora e uma construtora), e pela Rialma, outra construtora.
O primeiro saiu com um deságio de impressionantes 66% em relação à RAP; o segundo saiu com 51% de deságio.
“Com esse deságio, tenho certeza que o lote 1 é inviável. Não tem como parar de pé,” disse o executivo de uma empresa que participou do leilão. “Até ficamos em dúvida se eles não erraram na hora de mandar a proposta.”
Nas contas deste executivo, a TIR real desalavancada do lote 1 ficaria na casa de 1,5% — já considerando uma redução do capex e uma maior eficiência na entrega da obra.
Para efeito de comparação, a NTN-B 2040 hoje paga IPCA + 5,5%.
Um analista que cobre o setor também se surpreendeu com o deságio do lote 1. “Com a informação que temos é muito difícil justificar. Estamos tentando entender se tem algum ângulo que não estamos vendo.”
Das empresas listadas, as mais agressivas foram a ISA Cteep e a Engie Brasil. A primeira levou dois lotes com deságios de 41,8% e 50,3%; a segunda levou um lote com deságio de 42,8%.
A Eletrobras também levou um lote, com um deságio de 42%. O lote 4 vai demandar um capex de R$ 800 milhões, e a Eletrobras ofereceu uma RAP de R$ 68,7 milhões.
Para o analista, a participação mais agressiva da Engie chamou atenção, dado que a empresa não vinha participando com tanta força dos leilões.
Também fizeram ofertas no leilão a Taesa, Energisa, Neoenergia e um consórcio da Alupar, Equatorial e Perfin, chamado Olympus XV.
A Taesa — que havia sido mais agressiva no último leilão de dezembro, levando os dois maiores lotes com TIRs consideradas baixas pelo mercado — foi mais pé no chão dessa vez. A Neoenergia, que também tem um histórico de ser mais agressiva, surpreendeu com deságios menores.
A Engie e ISA Cteep deram lances que ficaram, em média, 300 basis points abaixo das ofertas das outras empresas listadas. Para um investidor, as TIRs dos lotes que essas duas empresas levaram são “baixos, mas realizáveis.”
Esse investidor calcula uma TIR real alavancada entre 8% e 9% para esses projetos.
Um executivo do setor pondera que o leilão de hoje mostra que está na hora da ANEEL mudar o modelo dos leilões de transmissão.
“Esse modelo de só dar deságio não funciona. O cara tem pouco a perder e não tem skin in the game. A ANEEL deveria dar um limite máximo de deságio e aí a competição vai para quem pagar a maior outorga. Isso ajudaria a trazer players que realmente vão conseguir entregar o projeto.”
Ele dá o exemplo do modelo do leilão recente de rodovias no Paraná, em que se estipulou um deságio máximo de 18% e, para cada 100 bps acima, o interessado tinha que depositar mais R$ 100 milhões na SPE.
No passado recente, empresas que levaram lotes com deságios muito grandes já tiveram problemas para entregar a obra. Foi o caso da JAC, Sterlite e da MEZ, que tiveram que vender os projetos porque não conseguiram entregar as obras.
“É muito difícil esses projetos [o lote 1 e 2] conseguirem financiamento. Ninguém vai querer financiar porque sabe que o projeto não vai ter retorno para pagar o empréstimo. E são duas linhas muito importantes para o escoamento do sistema.”
O próximo leilão de transmissão está marcado para outubro; o terceiro foi adiado para o ano que vem.
No leilão de outubro, no entanto, vão ser leiloados apenas três lotes de estações de alta tensão, que é uma tecnologia diferente e com um custo muito maior, num valor total de R$ 20 bilhões. “São projetos mais para uma Eletrobras ou uma State Grid,” disse um analista.