“Vou fazer uma previsão: para a maioria das empresas, a inteligência artificial será um custo, não uma fonte de receita,” Aswath Damodaran, o celebrado professor de finanças da New York University e um dos maiores especialistas em avaliação de empresas, disse ao Brazil Journal.
“Neste momento, tudo o que temos é um sonho, um sonho febril de que os produtos e serviços de IA se tornem um mercado de US$ 3,5 trilhões,” afirmou. “Não estou convencido.”
Damodaran acaba de lançar O ciclo de vida corporativo (Intrínseca; 624 páginas), em que analisa como as características específicas das companhias em cada fase de sua evolução se relacionam com as decisões de investimento, financiamento e gestão. (Para comprar, clique aqui.)
A premissa é que, como os seres humanos, as empresas passam pelo processo de nascimento, crescimento e maturidade – e eventualmente precisam se preparar serenamente para a velhice e o fim.
“No mundo das finanças corporativas e na área de valuation, houve muitas tentativas de elaborar teorias universais,” escreve Damodaran. “Na minha opinião, a estrutura mais promissora é a ideia do ciclo de vida corporativo.”
O autor prega flexibilidade analítica, incorporando elementos de diferentes teorias de finanças de investimento.
Na conversa com o Brazil Journal, Damodaran comentou como a tecnologia acelerou os ciclos corporativos e criou grandes vencedores em alguns setores – com implicações importantes para os investidores, dificultando a vida dos stock pickers e tornando obsoleto o antigo método de investimento em valor de Warren Buffett e seus seguidores.
“Buffett tem sido um investidor mediano durante grande parte deste século,” disse Damodaran. “Suas grandes vitórias ocorreram no século passado.”
Para o professor da NYU, as empresas que não agem de acordo com seu estágio quase sempre destroem valor – como quando as velhas companhias tentam ‘reencarnar’ em novos negócios.
Crítico mordaz da indústria dos consultores que prometem ‘rejuvenescer’ as empresas – ‘cirurgiões plásticos corporativos’ –, Damodaran disse que as empresas precisam aceitar o envelhecimento.
“Talvez a Vale e a Petrobras estivessem hoje em melhor situação se fossem empresas mais enxutas em relação ao tipo de empresa em que se tornaram,” afirmou. “Sejamos sinceros: os melhores dias delas ficaram para trás.”
Na segunda parte da entrevista, que o Brazil Journal publica amanhã, Damodaran comentou a política econômica de Donald Trump – seus objetivos e consequências. Disse também que o Brasil precisa proteger menos as ‘joias da coroa’, como a Petrobras, e criar um ambiente que permita às startups chegar ao topo da economia.
Os ciclos de vida das corporações estão se tornando mais curtos devido ao ciclo de vida tecnológico. Como devem reagir os investidores? Usando mais investimento passivo em vez de tentarem escolher as empresas vencedoras?
A tecnologia, além de comprimir o ciclo de vida das empresas, criou os vencedores que levam tudo (the winner takes it all). Vou te dar alguns exemplos.
Há 25 anos, se olharmos para a publicidade, um negócio irremediavelmente fragmentado, o New York Times poderia ter 2% dos anúncios. Havia uma restrição geográfica, de localização e idioma.
Hoje, duas empresas dominam o negócio de publicidade, Google e Facebook (Meta).
Pense no serviço de transporte. Vinte anos atrás, era algo incrivelmente fragmentado. A maior empresa de táxis do mundo tinha 0,1% de participação de mercado. Agora temos as gigantes de compartilhamento de viagens.
É o mesmo em vários negócios. O crescimento da tecnologia permitiu que essas empresas, que costumavam ter 20 ou 30 vencedores, passassem a ter três ou quatro vencedores. Isso tem consequências para os investidores.
Historicamente, as 10 ou 20 principais ações do mercado americano dominam os retornos. É assim há 100 anos.
O que há de diferente neste século é que agora são quase sempre as mesmas 10 ou 15 empresas que carregam o mercado. Então, se você não possui nenhum desses 10 ou 15 papeis, terá dificuldades para bater o mercado.
Esse é um problema que você enfrenta quando é um investidor ativo, um stock picker, ou segue filosofias específicas de alocação. Os antigos investidores em valor nunca vão comprar nenhuma dessas ações. Resultado? Eles estão perdendo do mercado desde o início do século.
Portanto, se você é um stock picker, precisa pensar cuidadosamente sobre os custos de estar fora de grandes segmentos do mercado – que é o que o investimento ativo exige que você faça.
Escolha ao menos um subconjunto de ações. Se você tiver sorte, poderá ter um portfólio incrível.
Mas os riscos para o investimento ativo aumentaram substancialmente, devido ao ciclo de vida comprimido e ao domínio de setores por algumas empresas – o vencedor leva tudo e altera a estrutura do mercado.
É por isso que Warren Buffett está tendo dificuldade em descobrir onde colocar seu dinheiro?
O homem tem 93 anos. Não escolhe uma ação há 10 anos.
Presumimos que tudo o que a Berkshire Hathaway compra tem a participação intelectual de Buffett. Mas, anos atrás, ele disse abertamente que iria entregar a seleção de ações da Berkshire a Todd Combs e Ted Weschler.
Quando as pessoas olham para a Berkshire Hathaway e dizem que Warren Buffett comprou Snowflake, a verdade é que acho que ele nem sabe o que a Snowflake faz, para ser sincero.
Warren Buffett tem sido um investidor mediano durante grande parte deste século. Suas grandes vitórias ocorreram no século passado.
Eu o admiro, admiro sua filosofia, mas sua filosofia também o levou a não investir na Microsoft, apesar de ser o melhor amigo de Bill Gates. É uma característica do que ele faz, que é querer comprar empresas antigas onde se sinta confortável com o produto e a gestão. Esse não será o caso de muitos desses vencedores no setor de tecnologia.
Buffett – e ele é franco sobre isso –, quando dá conselhos às pessoas diz para elas comprarem um fundo de índice. É uma admissão de que ele acredita que o mundo mudou – e que a forma como investiria hoje pode ser muito diferente da forma como investiu há 60 anos.
Um dos temas principais de seu livro é a dificuldade de as empresas aceitarem a velhice, e com isso acabam destruindo valor para os acionistas. Contratam consultores e banqueiros – que você chama de ‘cirurgiões plásticos corporativos’ –, mas os resultados positivos, segundo a sua análise, são raros. É impossível que empresas antigas consigam se reinventar?
Ninguém gosta de envelhecer – nem os seres humanos nem as empresas. Combatemos o envelhecimento a cada etapa.
Se você me perguntar quais empresas estão combatendo o envelhecimento, eu diria praticamente todas. Podemos pegar o Ibovespa e perguntar onde as empresas estão em seu ciclo de vida. São companhias maduras, de meia idade, ou antigas.
Os EUA são o único mercado em que você olha para os índices de grandes capitalizações e vê empresas jovens. Em todos os outros mercados, os índices são dominados por empresas de meia idade ou antigas.
As corporações combatem o envelhecimento, em parte, devido à forma como ensinamos negócios nas universidades. Glorificamos os construtores de impérios. Falamos sobre o crescimento como sendo uma coisa boa sempre.
Quando foi a última vez que você leu um livro sobre um CEO que tornou sua empresa menor, que basicamente disse: ‘Olha, nossos melhores dias ficaram para trás.’
Talvez a Vale e a Petrobras estivessem hoje em melhor situação se fossem empresas mais enxutas em relação ao tipo de empresa em que se tornaram. Sejamos sinceros: os melhores dias delas ficaram para trás.
Quanto aos ‘cirurgiões plásticos,’ convenhamos: se as empresas agissem de acordo com a sua idade, os consultores não teriam como ganhar dinheiro. A maior parte do dinheiro das consultorias vem do aconselhamento de empresas que desejam ser jovens novamente.
“O que podemos fazer? Uma aquisição? Um turnaround estratégico?”
Quase todo trabalho de consultoria se baseia em convencer as empresas de que elas podem rejuvenescer. Os consultores e banqueiros vivem desse desconforto. Em 99% dos casos oferecem falsas esperanças. Quando dá certo, é porque tiveram sorte de estar no lugar certo na hora certa.
Mas há casos de sucesso, não?
É verdade que a ‘reencarnação’ pode acontecer eventualmente. Mas é muito raro. São casos como os da Apple, em 2000, da Microsoft, em 2014.
Lemos muitos artigos sobre essas históricas porque as pessoas ficam pensando: ‘Se eu fizer o que Satya Nadella fez em 2014 na Microsoft, eu também posso reencarnar.’
Mas muito do sucesso de Nadella veio de estar no lugar certo na hora certa. A sorte é um ingrediente sobre o qual não queremos falar nos negócios, mas é um ingrediente-chave nessa reencarnação.
Hoje vemos muitas empresas tentando ‘reencarnar’ como líderes em inteligência artificial. Todas as grandes querem dominar algum segmento do mercado. Como você vê essa disputa?
Sejamos realistas: ninguém está ganhando dinheiro com serviços e produtos de IA no momento. Ninguém.
Quem está fazendo dinheiro são os fabricantes de chips, as empresas de energia, os data centers, os provedores de nuvem que vendem espaço para armazenagem de dados.
Neste momento, tudo o que temos é um sonho, um sonho febril de que os produtos e serviços de IA se tornem um mercado de US$ 3,5 trilhões. Não estou convencido.
Neste exato momento, estou olhando para o meu Zoom e há um pequeno botão de IA nele. Não tenho ideia do que isso faz. Mesmo que faça coisas legais, minha reação é: isso é legal, isso é divertido. Mas vou pagar US$ 5 por mês por isso?
No meu iPhone, tenho o Apple Intelligence. O que isso faz? Algumas coisas legais. Quase todos os aplicativos de IA que testei, minha reação foi: isso é legal, isso é fofo. Mas não estou pagando por eles.
Que Deus ajude a IA como negócio se essa for a reação das pessoas a todos os produtos e serviços de IA que estão sendo oferecidos.
Acredito que existem alguns produtos business to business onde a IA pode ser valiosa. Mas, sendo um mercado premium, é muito menor do que as pessoas imaginam.
Vou fazer uma previsão: para a maioria das empresas, a IA será um custo, não uma fonte de receita.
Será como a internet ou como os PCs. Quando foram apresentados, disseram que aquilo mudaria as empresas.
A realidade é que um pequeno subconjunto de empresas ganhou dinheiro com PCs. Um pequeno subconjunto de empresas ganhou dinheiro com a internet. Para a maioria das empresas tornou-se um custo, e a IA vai ser tornar um custo para a maioria das empresas.
Os jornais não vão prosperar por causa da IA. Eles descobrirão que estão gastando dinheiro em IA e talvez substituindo jornalistas por IA. Isso não vai torná-los mais lucrativos, porque todos usarão essa tecnologia.
A Nvidia pode ser uma vencedora?
Quanto maior o sonho, mais chips você compra. A Nvidia tem sido a maior beneficiária mais direta do burburinho da IA. Mas a DeepSeek abalou um pouco a sua história. Talvez não sejam necessários os chips dela para construir produtos e serviços de IA.
A Tesla se posiciona não apenas como uma empresa de carros elétricos mas uma desenvolvedora de serviços de IA, carros autônomos e robôs. É algo que pode colocar a companhia em outro patamar?
A direção autônoma e os ‘robotáxis’ já fazem parte do discurso da Tesla há tempos, muito antes mesmo de a IA ter virado assunto. A Tesla tem sido pioneira e precisamos dar crédito a Elon Musk.
Lembro-me de quando a Tesla lançou os carros elétricos pela primeira vez. Todas as montadoras tradicionais disseram que não iria funcionar. Ninguém compraria um carro elétrico. Onde você vai carregar as baterias?
Mas, 15 anos depois, todos perseguem o sonho do carro elétrico.
Haverá direção autônoma, e a Tesla novamente será uma das pioneiras. Faz parte da tese de investimento na Tesla. Agora, qual o tamanho desse mercado? Não sabemos.
Não acho que eles vão operar os táxis robôs. Vejo Lyft, Uber e outras empresas de compartilhamento de viagens sendo os veículos por meio dos quais teremos motoristas automatizados.
Sobre robôs, tenho muitas dúvidas.
Para uma empresa como a Amazon, que possui enormes centros logísticos e precisa de dezenas de milhares de trabalhadores, a automação poderá economizar dinheiro. Mas as consequências sociais da substituição de milhares de assalariados de baixa renda por robôs são uma questão assustadora.
Voltando à Tesla, tanto os robôs como a condução automatizada fazem parte do nosso futuro, e ela está no caminho certo. Quanto valem, podemos debater.
Não creio que valham tanto quanto os entusiastas de Tesla pensam, mas estou disposto a ouvir.
Você já disse que Elon Musk é um grande fundador, mas não tão bom como CEO. Qual sua avaliação de Musk como servidor público?
O homem é obsessivo. Quando ele coloca algo na cabeça, não desiste.
Por um tempo parecia que a direção automatizada era a sua nova obsessão, mas depois ele se distraiu. Ele se distraiu com o fato de não gostar da forma como o mundo estava evoluindo e decidiu que deveria ter uma atuação política.
Precisamos lhe dar crédito. Ele não tem medo de mergulhar de cabeça. Está disposto a se tornar alvo de todos os tipos de reações.
Então você olha para os carros da Tesla sendo vandalizados nos EUA e você tem que dar crédito ao cara por ele ter feito algo em que acredita.
Você pode não gostar do que ele faz. E acho que, de certa forma, ele está trazendo para a política as ferramentas que os disruptores tecnológicos usaram para transformar os negócios. Não sei como isso vai acabar.
Javier Milei foi o primeiro a fazer isso em nível governamental. Muito do que estamos vendo nos EUA foi retirado do manual da Argentina – quebrar as coisas primeiro e depois ver se é possível juntá-las.
Os sistemas tradicionais dificilmente serão consertados internamente, por eles mesmos. Mas podemos ver o mundo em tons de cinza. Duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo.
O processo orçamentário e o setor público dos EUA estão quebrados. Estão quebrados já faz algum tempo. Cada novo governo diz que vai consertar isso, mas apenas afinam as arestas.
É evidente que o governo dos EUA precisa passar por uma disrupção. Não tenho certeza, porém, de que o que você faz em uma empresa possa ser feito em nível governamental, porque há muitas pessoas vulneráveis – idosos que esperam pelos cheques da Previdência, precisam dos médicos do Medicare e de cuidados de saúde.
Estou dividido entre o desejo de consertar o governo dos EUA mas não confiar neste processo de quebrar as coisas e esperar que elas sejam consertadas em breve.
Precisamos encontrar um meio termo, porque não acho que devemos manter o antigo sistema e apenas ajustar as bordas. É algo que vale para governos em todo o mundo. Eles construíram más práticas ao longo de décadas e não será possível fazer uma reforma de fato apenas agindo nas arestas.