Donald Trump tem um objetivo central em sua política econômica. “Ele foi eleito pelos operários do Meio Oeste dizendo que traria de volta os empregos para as indústrias dos EUA. Essa é a razão das tarifas,” Aswath Damodaran disse ao Brazil Journal.
“Mesmo que os mercados paguem um preço e mesmo que a economia desacelere, Trump prefere ter menos crescimento mas com mais produção nos EUA,” disse o professor de finanças da New York University.
“Os consumidores americanos sentirão a dor, mas também acho hipócrita agir como se não houvesse tarifas até a chegada de Trump,” disse. “A China construiu uma economia em torno de tarifas. A maioria das economias ao redor do mundo, incluindo o Brasil, tem tarifas.”
Em sua conversa com o Brazil Journal, Damodaran, que acaba de lançar O ciclo de vida corporativo (Intrínseca; 624 páginas), disse que o mercado americano iniciou o ano “superaquecido” – pelas suas contas, 12% acima do preço justo – e considera que uma correção pode ser saudável, como disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent.
“Correção é exercício de limpeza,” afirmou. “Se for muito fácil ganhar dinheiro as pessoas ficam preguiçosas e desleixadas.”
Ele comentou ainda por que o Brasil precisa proteger menos as empresas tradicionais e incentivar que as startups cheguem ao topo. “As joias da coroa, como a Petrobras, precisam encolher e talvez até desaparecer. Esse não é o Brasil do século XXI. Elas são o Brasil do século XX.”
Você diz que ‘valuation’ não é apenas destrinchar os números. É uma ponte entre os números e uma história. Usando essa definição, qual é sua opinião sobre o que está acontecendo no mercado dos EUA? Como a história mudou desde o final do ano passado?
Há um componente macro em cada história. Toda empresa agora tem que lidar com sua exposição ao ambiente macro. Mas pode estar havendo exagero nas reações.
Há três anos se fala em risco de recessão. Desde 2022, isso vai e vem – e a economia americana tem sido incrivelmente resiliente a esses rumores.
Claramente, as tarifas e o discurso de guerra comercial abalaram os mercados em todo o mundo. Guerra comercial nunca é uma boa notícia para a economia global. É sempre um sinal de menos.
Mas se você olhar onde o mercado está hoje em comparação com onde estava no início do ano, não houve uma mudança tão grande. Podemos estar vendo o noticiário e assumindo que o efeito foi muito maior do que realmente foi.
É verdade que algumas empresas estão mais expostas do que outras. Mas por enquanto, eu não consigo estimar para onde vai o mercado neste ano.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse que uma correção é saudável.
O mercado iniciou o ano superaquecido. Na minha opinião, estava sobrevalorizado em cerca de 12%. Isso não deveria surpreender ninguém que tenha investido em ações dos EUA nos últimos 15 anos.
Foi uma ótima jornada. Ninguém pode reclamar.
Uma correção é saudável? Em muitos mercados, pode ser um exercício de limpeza. É doloroso, então nunca parece certo enquanto está acontecendo.
Mas sejamos realistas: se for muito fácil ganhar dinheiro, as pessoas ficam preguiçosas e desleixadas.
Há muita incerteza sobre a política econômica de Donald Trump. Qual a sua avaliação? Consegue compreender quais são os objetivos?
Trump tem um objetivo básico. Ele foi eleito pelos operários do Meio Oeste dizendo que traria de volta os empregos para as indústrias dos EUA. Essa é a razão das tarifas.
O objetivo final das tarifas é trazer empregos industriais para os EUA. Para Trump, isso é uma vitória.
Mesmo que os mercados paguem um preço e mesmo que a economia desacelere, Trump prefere ter menos crescimento – mas com mais produção nos EUA.
A próxima fábrica que a Stellantis ou que a Ford construirá não será no México ou no Canadá, mas nos EUA. Portanto, esse é o objetivo. Esse é o resultado final do jogo, criar empregos na indústria.
Mas quão sustentável é isso? Haverá efeitos negativos para a economia e boa parte dos eleitores.
Não é possível fazer a globalização regredir totalmente. A China não vai voltar a ser apenas 1,7% do PIB global (a participação atual é de quase 20%).
Estamos em um mundo diferente. A guerra comercial será dolorosa. Mas o que quero dizer é que esse é um preço que muitas pessoas estão dispostas a pagar.
Em 1979, os EUA tinham 20 milhões de empregos industriais. Em 2023, 13 milhões. E em todo o mundo, a história é semelhante. É evidente que a Europa perdeu empregos.
Os países podem ter ganhado empregos no setor de serviços. Podem ter se beneficiado de novas tecnologias. A globalização teve seu lado bom. Mas também teve o lado mau. Criou perdedores – e por muito tempo nós os ignoramos.
De muitas maneiras, tanto o Brexit como as vitórias de Trump foram respostas das pessoas que disseram: ‘Hey, vocês continuam falando que a vida vai melhorar, mas não parece que ela vai melhorar.’
Há um sentimento de revolta em todo o mundo, de pessoas que perderam os seus empregos na indústria e de jovens que sentem que não há muita esperança em jogo.
Portanto, antes de os especialistas em globalização apontarem o dedo para outras pessoas, eles precisam se olhar no espelho e se perguntar por que razão estamos onde estamos. Eu os condeno por terem minimizado as perdas da globalização.
Há muitos empresários e empreendedores do setor de tecnologia apoiando Trump. Se houver uma guerra comercial e retrocessos na globalização, as Big Techs poderão perder mercado, não?
De que maneira? O que você vai usar em vez da Apple e do Google? Essa é a realidade, certo? A verdade é que a Europa não tem empresas de tecnologia. A China tem algumas, mas a China está principalmente focada na China.
Onde é que um canadense e um brasileiro vão encontrar substitutos? Você pode dizer empresas chinesas…
Isso é o que vai acontecer.
E veremos os peixes pulando da frigideira para o fogo, se pensarmos em privacidade.
Não serão as empresas de tecnologia que sentirão os sofrimentos da guerra comercial. A dor da guerra comercial será sentida pelo meu fabricante de jeans, que está no Texas, mas obtém algodão do Canadá. Ele tem a opção de absorver o custo ou repassar o preço.
Os consumidores americanos vão sentir no bolso. Mas não creio que as empresas tecnológicas estejam perdendo o sono e se questionando: por quem os europeus vão nos substituir? Para onde irão os europeus?
Você mencionou um ponto relevante: qual será a reação dos consumidores americanos – e dos eleitores?
Duas coisas resultaram da globalização. Os consumidores tiveram mais opções e preços mais baixos.
Você vai a um supermercado, compra uvas do Chile, mangas da Ásia. Você compra o que quiser em qualquer época do ano. As roupas custam tão pouco que as pessoas usam uma vez e jogam fora.
De muitas maneiras, a globalização ajudou os consumidores. Se isso for revertido, haverá menos opções e preços mais altos.
Veremos como os consumidores americanos vão reagir. Pelo menos em abstrato, dizem que estão dispostos a pagar o preço mais alto para bancar essa aposta. Mas veremos se isso realmente vai acontecer.
Acho que os consumidores americanos sentirão a dor, mas também acho hipócrita agir como se não houvesse tarifas até a chegada de Trump.
A China construiu uma economia em torno de tarifas. A maioria das economias ao redor do mundo, incluindo o Brasil, tem tarifas. Eles simplesmente não falam sobre isso.
O que Trump fez foi arrancar o esparadrapo e dizer: ‘Pessoal, vamos conversar sobre tarifas.’
Os economistas agem como se não tivéssemos tarifas desde a Grande Depressão. Onde vocês estavam?
Sempre tivemos tarifas. Elas têm sido seletivas. O mundo inteiro é construído em torno de proteções para as suas economias.
Os japoneses protegem os produtores de arroz, e acho que têm o direito de fazê-lo. Sua cultura é construída em torno do arroz e de seus agricultores que cultivam arroz.
A verdade é que sempre tivemos tarifas. Paramos de falar sobre eles há 40 anos porque era como aquela conversa que você nunca menciona em uma festa. Não é uma conversa educada. Fica abaixo da superfície. Trump trouxe isso à tona.
Nas últimas páginas do seu livro você fala sobre como a idade das principais empresas de um país pode indicar o dinamismo de uma economia. Fala ainda da necessidade de haver um equilíbrio entre as empresas tradicionais, mais antigas, e as startups. Quais suas impressões sobre o Brasil?
Uma coisa sobre países como o Brasil e a Índia é que nos últimos 25 anos eles passaram por ondas de mania e depressão.
Nos períodos de mania, parece que já se tornaram mercados desenvolvidos. Dois anos depois, você visita o país e continua tudo em ruínas.
Desde os anos 1990, o Brasil se moveu claramente na direção certa. Mas como qualquer democracia, vocês dão três passos para frente e dois para trás. Brasil e Índia não podem fazer o que a China fez, certo?
Tenho simpatia por países como Brasil e Índia, que trabalham sob um sistema legal, com eleições periódicas. Mas o ritmo de mudança será mais lento.
Uma das coisas contra as quais o Brasil tem lutado, assim como a Índia, é a construção de infraestrutura.
Sempre odiei voar para São Paulo. Aquela viagem do aeroporto até a cidade é um pesadelo. Já perdi voos.
O problema é que sempre que você constrói uma grande infraestrutura, imagino que haja corrupção, o processo é lento. De certa forma, será algo incremental.
Quando olho para os brasileiros fora dos EUA, eles são empreendedores, querem abrir negócios. Mas, quando olho para o Brasil, eu me pergunto: onde estão essas empresas?
Sei que existem muitas startups no Brasil, mas elas parecem nunca chegar ao nível de desafiar as empresas tradicionais. Fora o Nubank, no setor de serviços financeiros é difícil encontrar alguma grande empresa que tenha menos de 20 anos.
Não há histórias de empresas que tenham surgido do nada e tenham chegado ao topo. É isso que dá vitalidade às economias – o surgimento de empresas jovens. Imagine uma empresa apenas com pessoas idosas. Será muito difícil ver energia e novas ideias.
Se eu tenho um desejo para o Brasil é que o País encontre uma maneira de criar um ambiente onde essas jovens empresas possam subir na hierarquia e deixar de proteger tanto as ‘joias da coroa.’
As joias da coroa, como Petrobras, precisam encolher e talvez até serem vendidas, desaparecer. Porque esse não é o Brasil do século XXI. Eles são o Brasil do século 20.
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