Para entrar na Casa 201 – um portão discreto no sossego da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico – é preciso tocar o interfone como quem chega mesmo a uma residência.
Quando a porta se abre, quem faz as honras é o maître Luis Antonio Brum, um homem alto de sorriso generoso.
Trata-se de uma visita que vale a pena: o menu degustação do chef João Paulo Frankenfeld é um espetáculo sensorial.
Prestes a completar um ano, a casa está sempre cheia – um pequeno milagre numa cidade onde restaurantes com menu degustação são um desafio mercadológico. Até recentemente, o Rio tinha apenas quatro deles: o Mesa do Lado, do icônico Claude Troigros, o Oteque, de Alberto Landgraf, o Oro de Felipe Bronze, e o Lasai, de Rafael Costa e Silva.
João Paulo e sua sócia, Cristiane Julião, se conheceram em 2022 quando o chef organizava jantares em seu próprio apartamento. Em um desses jantares, começaram a desenhar a ideia do que viria a ser a Casa 201.
Neto de alemães, João Paulo costuma falar baixo e veste um dólmã impecável. O homem é contido e reservado, mas seus pratos não têm nenhum traço de timidez – pelo contrário, desafiam o paladar com arte e ousadia.
Com 1,90m, o chef jogou basquete desde os 10 anos, mas a quadra não era destino. Aos 20, João Paulo passou três semanas trabalhando em um pequeno restaurante em Caxias do Sul durante as férias da faculdade. Foi quando teve a epifania: seu negócio era mesmo a cozinha.
Cursou o Instituto Paul Bocuse, hoje Institut Lyfe, em Lyon, e estagiou em restaurantes premiados.
Mais tarde, trabalhou como head chef e ajudou a abrir a Le Cordon Bleu, quando a escola de gastronomia veio para o Rio em 2018.
Entre paredes verdes e outras de tijolos vermelhos aparentes, a Casa 201 tem luz quente, intimista, e um som agradável. (Não deixe de levar um casaco leve: o ar condicionado permanece nos 17º ao longo do jantar.)
A cozinha é aberta, e obras de arte e fotografias enriquecem o lugar, como os registros em P&B que o artista plástico Raul Mourão produziu quando morou em Nova York.
O menu degustação (R$ 590) inclui vinte preparações diferentes, e o tempo ideal para um jantar é de 2h30. Vai-se dos aperitivos ao amuse-bouche, em seguida duas entradas, o prato principal, queijos, o ‘pre-dessert’, a gloriosa sobremesa e os petits fours no final. O cardápio muda a cada três meses.
O abre-alas na degustação é a charcutaria com três variações, acompanhada de picles, azeite selecionado, manteiga especial e pães de fermentação natural feitos pelo próprio chef.
A entrada chegou em um prato branco fundo: tamboril de pato defumado, uma massa folhada delicadamente colocada por cima com Beurre blanc de limão galego.
Em seguida, um prato de cerâmica escuro fundo hospedou um agnolotti de abóbora com Boursin de cabra, noz pecan e molho de mostarda.
Em minha visita, o prato principal foi uma costela angus com molho gastrique derramado sobre a proteína. Ao lado, um crocante de cebola recheado com cogumelos, aipim e, num traço fino e elegante, um molho de espinafre delicadamente desenhado, abraçando os dois elementos apresentados em um prato amplo.
Os queijos, produzidos artesanalmente no restaurante, foram servidos em um cubo robusto de madeira com uma compota de fruta.
O show estava chegando ao fim: o pre-dessert ficou por conta do gelato de iogurte produzido pelo chef, com mel de Emerina, pólen e laranja Bahia.
João Paulo não gosta de sobremesas muito doces. Para ele, açúcar em excesso esconde aromas e sabores. O açúcar deve ser introduzido aos poucos para não causar desconforto e chegarmos ao final da degustação realmente satisfeitos. Para atender ao paladar brasileiro, o chef deixa o açúcar mais intenso para o petit four.
Por fim, chega a sobremesa, impecável e artística. Macaron com recheio de ganache Montée de Kirsch, coulis de frutas vermelhas, compota de morango em uma cestinha também de frutas vermelhas e gelato de chocolate.
Magicamente a trilha sonora, que parecia morna, de repente traz She, de Elvis Costello, a música tema de Notting Hill.
Para minha sorte, no passo em que a sobremesa diz oi ao paladar, Costello canta o refrão da música, numa incrível sincronicidade. Foi como fogos de artifício. Nesse momento a luz da casa diminui, e a música surge como um alterego. A acidez do coulis de frutas vermelhas me deu a certeza de que fiz a escolha certa essa noite. Ao chegar ao fim desse balé gastronômico me senti satisfeito e feliz. Nada parecia faltar e não houve excessos.