Políticos e jornalistas têm em comum o seu bem mais valioso: a credibilidade. Por isso mantêm uma relação peculiar, em que o grau de proximidade e confiança mútua deve ser dosado com extremo cuidado, sob pena de gerar irremediáveis prejuízos ao currículo de ambos.

Neste delicado jogo, Cristiana Lôbo era mestre.

Impõem as regras do jornalismo que um profissional saiba manter um certo distanciamento de suas fontes ou entrevistados, assegurando a necessária neutralidade na busca da verdade dos fatos. Assim, “ser amigo”, ter proximidade com o entrevistado não é exatamente recomendável. Mas Cristiana detinha o que muitos “melhores amigos” de políticos não inspiram: confiança.

Por isso mesmo transitava com absoluta liberdade nos mais diversos círculos. Nestes estreitos limites entre a proximidade aceitável e o distanciamento recomendável, ela foi certamente “a melhor amiga jornalista” das mais altas figuras da República de sua época.

E era assim porque todos sabiam que, mesmo nos momentos de ânimos mais acirrados, nas diversas crises que presenciou, Cristiana sempre levaria ao público a fala e o sentido exato do que seu entrevistado lhe transmitira. No mundo político, onde intrigas e interesses prevalecem, fatos e versões facilmente se confundem. Cristiana explorava essas contradições.

Era não apenas repórter, mas uma respeitada analista política. Seu talento extrapolou as redações e ela se tornou uma requisitada conferencista, com igual sucesso. Suas análises continham profundidade, mesmo quando recheadas de ironia e bom humor, outras de suas marcas características.

Este raro talento aparece em O que vi dos presidentes: Fatos e versões, um livro póstumo que será lançado nesta terça-feira em Brasília, no Museu da República, que certamente ficará abarrotado com todo o carinho que Cristiana acumulou em vida.

Depois de sua morte prematura em 2021, o livro foi finalizado pela jornalista Diana Fernandes em parceria com Murilo Lobo, o marido de Cristiana.

O livro mostra presidentes de naturezas distintas passando pelo do Planalto — os coléricos, os impacientes e os conciliadores. Suas personalidades moldaram seus governos, e desde a redemocratização Cristiana acompanhou, como poucos jornalistas, o estilo de cada um deles e sua relação com o poder.

Além do talento profissional, Cristiana era uma pessoa cativante. Com  inteligência e simpatia, conquistava a todos, o que inevitavelmente lhe abria portas.

Buscava a notícia na origem, como quando foi ao Ceará, nos já longínquos anos 80, investigar por que, em um dos estados mais pobres do Brasil, surgia uma nova classe de políticos com ideias e práticas que estavam dando certo, contra todos os prognósticos.

Imagino como ela estaria vendo o quadro atual.

Hoje, livre das amarras terrenas, certamente ri das circunstâncias, das promessas não cumpridas, dos mitos que se desfazem e dos que renascem já plenos de contradições.

Ela, como sempre, em busca dos fatos, mas nunca desprezando  as versões. Coisas da política brasileira que ela conhecia como ninguém.

Tasso Jereissati foi governador e senador pelo Ceará.