A crise do coronavírus colocou o País diante de uma série de perguntas desafiadoras que precisam de respostas rápidas e novas. Respostas simples, porém nada fáceis.

No âmbito do setor elétrico não é diferente. Nos últimos anos, o setor passou por inúmeras crises, sendo a maior delas o racionamento de 2001. Mas esta é diferente porque, desta vez, todos os setores da economia foram atingidos, provocando uma recessão nunca antes vista. 

A saída vai exigir criatividade. O setor elétrico terá que abandonar sua zona de conforto, e a solução para o sistema deve vir na forma de um conjunto de medidas. Estas, por sua vez, terão horizontes temporais distintos, mas precisarão ser anunciadas rapidamente e por completo para que possamos atravessar esta tormenta.

Precisaremos da liderança e do apoio da Aneel e dos ministérios de Minas e Energia e Economia, além da união de todos os agentes do setor para que os contratos sejam respeitados, o equilíbrio econômico financeiro dos agentes se mantenha, e o consumidor continue tendo garantia e qualidade no suprimento de energia elétrica, mitigando os efeitos tarifários futuros. 
 
O desligamento de boa parte da indústria e dos serviços trouxe uma queda dramática da receita, gerando uma explosão dos custos como percentual do faturamento.

A primeira e mais urgente medida é assegurar que não haja insuficiência no caixa das distribuidoras e que as empresas possam honrar seus compromissos imediatos devido à abrupta interrupção dos negócios.  Mas isso não será suficiente.
 
Manter o caixa só assegura que os outros elos da cadeia — geradoras e transmissoras — recebam pelos serviços em dia, sem levar em conta os desequilíbrios causados nas próprias distribuidoras pelo aumento da inadimplência e destruição de mercado. 
 
Precisamos criar mecanismos para recompor o equilíbrio econômico-financeiro das empresas de distribuição de forma simultânea. Há uma perda permanente de mercado, e uma enorme inadimplência causada pela proibição de corte e pelas medidas de confinamento. Esta recomposição deve se dar na margem.  Ou seja, quem estava equilibrado antes da crise terá seu equilíbrio restaurado, e quem não estava ficará na mesma: desequilibrado. Não deve haver nenhuma benesse. O fundamental é que mecanismos precisam ser desenhados e conhecidos logo.
 
Por último, se for desejo do governo oferecer alívios tarifários aos consumidores como política pública, atenuando os reajustes em curso e futuros, que o Governo explicite esses recursos e avalie as consequências e impactos. Não é hora de populismo.
 
Se adotados, estes mecanismos devem ser off-balance sheet das distribuidoras. Como ficam apenas com 18% das contas de energia e têm responsabilidade por 100%, estas empresas não tem como arcar com este custo. E de onde viriam este recursos?
 
Temos que construir saídas criativas onde os impactos tarifários não impliquem em perda de competividade futura da economia, oneração excessiva dos consumidores e que ao mesmo tempo sejam recursos suficientes. A rapidez da chegada é essencial.
 
1. Por ser um serviço essencial e ter muita capilaridade, o setor elétrico deveria ser um dos setores onde o Tesouro entraria com parte dessa conta. Sabemos que não há espaço fiscal, mas em vários países do mundo isso está acontecendo, pelo fato de estarmos vivendo tempos de guerra. 
 
2. Há fundos setoriais que estão disponíveis ao setor com montantes na faixa de R$ 2,5-3 bi que poderiam compor este esforço. A Aneel divulgou na sexta-feira a distribuição de R$ 2 bilhões que estavam represados na CEEE. 
 
3.  Há financiamento através de pool de bancos lastreado por ativo regulatório para as distribuidoras – nos moldes da conta ACR usado no passado.  Mas como este empréstimo será pago no longo prazo, na forma de aumentos tarifários, pelos clientes cativos, nada mais justo que aqueles que desejarem migrar para o mercado livre ou mesmo aqueles que gerem sua própria energia fiquem com a sua parcela do empréstimo na tarifa de fio que pagam para as distribuidoras. Aqui há um esforço conjunto na cadeia para que este ônus não fique somente no cliente cativo.
 
4. Uma solução inovadora seria oferecer financiamentos através do BNDES para as geradoras e transmissoras para que estas possam participar do esforço de diferir suas faturas momentaneamente em troca de um ativo regulatório que se converteria em ampliação do prazo de concessão. Seria um incentivo interessante para as usinas e linhas que estejam próximas do prazo de vencimento.
 
5. As geradoras hidrelétricas são credoras do Estado em obrigações de uso do bem público (UBP), e poderiam converter estas obrigações em prol deste diferimento. Este recurso hoje irriga uma conta existente no setor para financiar subsídios, mas combinado com a solução do item 4 poderia ser uma antecipação no fluxo de caixa, em prol de modicidade imediata dos clientes. Ou seja, os geradores antecipam para a CDE ao serem financiados e estendem suas concessões.
 
6. A União é grande credora de Itaipu, que poderia fazer um ‘standstill’ na sua dívida diferindo momentaneamente US$ 170 milhões/mês. Com o câmbio nas alturas, isso distensionaria os reajustes e o impacto no consumidor. 
 
7. Por fim, existe uma oportunidade histórica neste momento de rever os subsídios que somam mais de R$ 11 bilhões anuais somente na conta CDE. Muitos destes subsídios são desnecessários no atual contexto e só oneram os consumidores.  Seriam preservados apenas os subsídios aos consumidores de baixa renda, para a universalização de áreas remotas e para combustível para os sistemas isolados (CCC).
 
Este conjunto de propostas dividiria a conta com todos os agentes do mercado elétrico e, melhor, não arma a bomba de uma explosão tarifária no futuro.

Assim como ocorreu no racionamento de 2001, temos que novamente dar um exemplo ao mundo na saída desta crise e ganhar competitividade na atração dos investimentos que serão necessários para a recuperação do País.
 
Ricardo Botelho é CEO da Energisa.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura e Energia (CBIE).