No dia 3 de setembro de 1939, o rei George V, pai de Elizabeth II, fez seu famoso discurso no rádio enfrentando sua gagueira e explicando os motivos que levaram o Reino Unido à guerra e os sacrifícios à frente do povo britânico. Menos conhecido, entretanto, é o discurso feito quase cinco anos depois, às vésperas do “D-Day,” no qual o rei explicou que aquele momento demandava da sociedade mais que coragem e resistência: uma renovação de espíritos para nova fase da guerra que se avizinhava.

Com mais de metade do mundo em lockdown completo ou alguma forma de isolamento há algumas semanas, avança sobre todos nós um desgaste psíquico e uma angústia coletiva apoiada na incerteza sobre o que ocorrerá nos próximos meses e, sobretudo, na indefinição de quando e como sairemos do isolamento. Assim como George V na guerra, é hora de renovar os espíritos.

A quarentena é um antigo e eficaz recurso para diminuir a velocidade de contágio do vírus, ganhando tempo para aumentarmos a capacidade do setor de saúde. É um recurso temporário na falta de uma solução definitiva como remédios ou vacina. Muito mais difícil do que entrar na quarentena, entretanto, é a estratégia de saída, sobretudo aquela baseada em estudo e ciência, e não em bravatas. 

Neste sentido, nos últimos dias surgiram propostas interessantes para esta saída, um alento em meio às perspectivas distópicas que nos chegam por todos os lados. Vamos falar sobre a luz no fim do túnel.

É esperado para o final de abril o pico de internações no Brasil, segundo o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz. A qualidade com que atravessaremos o pior momento da tormenta ditará o ritmo de saída da quarentena. Se o sistema público e privado de saúde suportarem razoavelmente a demanda, esperança alimentada por uma quarentena instituída mais cedo que em outros países, a pressão pela saída será fortíssima. Por outro lado, se vivermos dias de caos como a Lombardia ou Nova York, o medo tomará conta e, mesmo que liberados da quarentena, é possível que muitos não saiamos de casa ou voltemos a consumir como antes.

Num país de baixa renda per capita, com 40 milhões de trabalhadores informais ou autônomos e uma frágil rede de proteção social, a quarentena não poderá se alongar demais, sob risco de faltar o essencial aos mais vulneráveis e um potencial esgarçamento do tecido social. Temos uma panela de pressão no fogo alto que nos impele a buscar saídas inteligentes para a quarentena com mais urgência que os países ricos, que têm mais condições de suportar as consequências do isolamento. 

 
É hora de superar o Fla x Flu “economia versus vidas” e buscar soluções adequadas à realidade brasileira para controlarmos o vírus e permitirmos alguma atividade econômica, ainda que reduzida.

As experiência bem sucedidas da China e Coreia do Sul mostram que o emprego de tecnologia em larga escala tem contribuído para o controle da epidemia e a saída da quarentena. Algumas das medidas adotadas: o monitoramento da temperatura corporal em locais públicos, a testagem em massa até em pessoas assintomáticas e, principalmente, o “contact tracing”, acompanhamento de todas as pessoas que estiveram próximas de um infectado, através de georeferenciamento.

Uma outra abordagem que começa a ganhar corpo é a testagem de anticorpos para Covid-19, emitindo “certificados de imunidade” e liberando esta população para voltar a suas atividades. O projeto piloto, proposto pelo Helmholtz Centre for Infection Research in Braunschweig, prevê testagem em blocos de 100 mil pessoas e está em vias de ser adotado pelo governo alemão, segundo a Der Spiegel. No Brasil, a Carteira Digital de Trânsito também poderia carregar um “certificado de imunidade ao Covid-19”. Os testes poderiam ser bancados pelas empresas empregadoras e pelo governo (no caso dos informais e autônomos).

Ainda neste tema, o conhecimento do percentual da população que está imunizado — que é muito difícil de estimar quando pelo menos 85% dos infectados têm sintomas leves ou são assintomáticos e somente pacientes graves são testados, com atraso — pode ser um critério objetivo para definir o sucesso das políticas de quarentena e guiar decisões para saídas graduais. Pesquisas amostrais, assemelhadas às eleitorais, feitas em intervalos, podem trazer dados científicos e iluminar o debate. O governo do Rio Grande do Sul anunciou semana passada um programa de pesquisas nestes moldes.

Outra proposta vem do professor Uri Alon, da Weizmann Institute of Science em Israel, e sua equipe. Batizada de Lockdown Intermitente, aos moldes do famoso jejum, propõe 5 dias de isolamento e 2 de trabalho de forma que, de acordo com seu modelo, forçaria o número médio de pessoas infectadas para menos de 1, colocando a epidemia em declínio. Ainda segundo os autores, a combinação de 4 dias de trabalho para 10 de descanso seria ainda melhor, permitindo que os eventualmente infectados no trabalho passem seu período contagioso em casa.

Políticas como essa podem ser mais adequadas à realidade brasileira, sobretudo num cenário de escassez de testes em massa e onde as soluções que dependam de muito investimento e hardware, como sensores de temperatura, serão difíceis de implementar no curto prazo. 

Havendo algum controle com dados confiáveis sobre o estágio da epidemia, até soluções simples, como o rodízio de pessoas ou turnos alternados de trabalho por tipo de atividade poderiam ser soluções efetivas. Com apenas parte da população nas ruas, transportes públicos mais vazios, aglomerações proibidas e proteção adequada, a contaminação tende a ser menor. Aos poucos, de acordo com os resultados, poderíamos aumentar a quantidade de pessoas em atividade.

Há diversos caminhos possíveis para a saída da quarentena, mas a ausência de dados científicos de qualidade sobre o estágio da epidemia e informações sobre os próximos passos coloca uma angustiante neblina no horizonte que impede que pessoas e empresas se planejem e a economia saia de um estado quase disfuncional.

 
É hora dos governantes comunicarem com clareza os critérios com que avaliarão o sucesso das quarentenas, como definirão os parâmetros para seu relaxamento e, por fim, as políticas públicas que serão utilizadas para sairmos delas. Ideias não faltam.
 
Guilherme Pacheco é fundador da Mosaico, empresa de investimentos em tecnologia.