Sem nenhum novo investimento, com muita inteligência – e alguns robôs – o Piauí está fazendo um estrago na vida daquela grande praga nacional: os bandidos especializados em roubar ou furtar celulares.

A estratégia é simples e brilhante. Começa pelo rastreio do chassi dos celulares. 

No setor de telecom, esse “chassi” é conhecido como IMEI, a sigla para International Mobile Equipment Identity. Não importa quantos donos ou quantos números de telefone um celular tenha, o IMEI nunca muda. 

Com base nesta premissa, os policiais desenvolveram um aplicativo que consegue ler o IMEI e cruzar informações. O sistema foi batizado de Cell Guard.

Em um primeiro momento, em uma espécie de MVP, a polícia do Piauí realizou várias blitz pelas ruas de Teresina. Os ocupantes dos veículos não precisavam soprar em nenhum bafômetro, mas digitar *#06# nos seus celulares. Ao fazer isso, o celular mostra na tela o número do IMEI.

O policial tirava uma foto, e o robô dizia na hora se o aparelho era roubado. Em apenas um fim de semana, foram apreendidos 50 aparelhos. 

A ideia estava validada. Agora era só partir para a operação em massa. 

Com 24 mil boletins de ocorrência na fila das investigações, a polícia pediu uma autorização judicial e conseguiu obter das empresas de telefonia os novos números de todos os aparelhos roubados. 

Mais uma vez os robôs entraram em ação, desta vez para fazer uma notificação em massa via mensagens de celulares. Usando um número de WhatsApp verificado, a polícia dispara intimações aos novos usuários dos aparelhos, exigindo que compareçam à delegacia para comprovar que são os proprietários legítimos dos celulares. 

O robozinho é capaz de fazer 10 mil intimações por minuto – mas como a delegacia não teria como receber tanta gente ao mesmo tempo, o trabalho é feito aos poucos.

boopo matheus zanatta

A delegacia ficou cheia; no começo, apenas quatro funcionários faziam o atendimento. Logo, tiveram que botar 15. 

Em uma espécie de delação premiada em massa, as pessoas foram contando aos policiais os nomes das lojas ou pessoas de quem compraram os aparelhos. 

Estava dado o start para a nova etapa das investigações: a Operação Interditados, que já está em sua 15ª fase e é de fazer inveja a qualquer Lava Jato. 

Os policiais conseguiram provas da venda irregular de celulares e já fecharam 65 lojas físicas e virtuais envolvidas na receptação. 20 lojistas foram presos.

Mas as operações têm um requinte de inteligência. Em cada diligência, os policiais levam consigo os fiscais da Receita Federal. 

Os policiais só podem apreender os celulares roubados, como bem lembrou ao Brazil Journal o delegado Matheus Zanatta, superintendente de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Piauí. 

“Já os fiscais…” descobrem outras bandalheiras.

No mês passado, na 12ª fase da Interditados, os fiscais da Receita apreenderam em uma única loja do Shopping da Cidade 26 sacos (de 60 quilos cada) com equipamentos eletrônicos importados sem notas fiscais. E agora, o boleto do imposto está a caminho. 

Mas para resolver o furto de celulares, a polícia também está atacando em outra frente. Usando o bom e velho trabalho de campo, policiais à paisana estão frequentando eventos de grande porte no Piauí para prender ladrões de celulares – com a mão na massa, em flagrante. (Já houve incursões no Pará e no Maranhão para prender suspeitos.) 

Do outro lado, os ladrões começaram a testar novos mercados – como o de peças usadas – forçando os policiais a estender as operações às empresas que revendem peças. 

Graças à operação, o círculo contra a bandidagem está se fechando no Piauí: em oito meses, a polícia já devolveu 6 mil celulares a seus verdadeiros donos. 

Os roubos e furtos de aparelhos diários caíram 40%, em Teresina – enquanto, no resto do País, crescem 15% ao ano.  Além disso, todo assalto a mão armada tem o potencial de virar algo mais grave. No Piauí, a polícia reduziu os latrocínios em 20% no ano passado – e, segundo a Secretaria de Segurança, a queda já é de 50% em 2024.

O roubo e o furto de celular não estão no rol dos crimes graves, mas têm um efeito imediato na sensação de insegurança da população, e, por isso, outros estados estão se interessando pelos avanços feitos pelo Piauí. 

“Nem toda família vai viver a dor de um homicídio, mas com certeza 100% das famílias já viveram a dor de um roubo,” diz o diretor de inteligência da SSP do Piauí, Anchieta Nery. “Se não você, sua esposa, seu filho, seu irmão… com certeza alguém de cada família brasileira vai viver essa dor em cada geração.” 

Em março, o sucesso do Piauí ganhou destaque no Fantástico, e desde então pelo menos cinco estados procuraram mais informações. Antes disso, outros três já estavam recebendo ajuda para replicar o método. 

“Nosso estado é um case de sucesso e não vejo obstáculos para que outros estados repliquem. Estamos prontos para transferir a tecnologia,” diz Zanatta. 

O Ministério da Justiça anunciou hoje que quer transformar o protocolo em política nacional. 

Mas o Piauí continua um passo à frente: sua polícia já se prepara para aplicar um protocolo similar contra o roubo de automóveis.