Há anos sofrendo para reenergizar suas vendedoras, fazer frente a uma concorrência acirrada e se transformar numa empresa multicanal, a Natura parece finalmente ter encontrado uma estratégia que funcione.

O CEO João Paulo Ferreira, há um ano no cargo, está conseguindo o que seu antecessor Roberto Lima foi incapaz de entregar: virou de cabeça para baixo o modo como a empresa se relaciona com suas mais de 1 milhão de consultoras, calibrando incentivos e reduzindo o tíquete mínimo dos pedidos  e colocando a companhia finalmente de volta ao jogo.

Resultado: no terceiro trimestre reportado ontem à noite, a produtividade das vendedoras subiu 15% e a receita avançou 5,2% no Brasil, o melhor desempenho desde o começo de 2014.

“O João é prata da casa. Um cara que cresceu lá dentro, sabe como funciona a companhia, os sócios, e tem legitimidade  mais do que teve o Roberto  para implementar as mudanças”, diz um gestor comprado no papel. 

JP, como é conhecido na empresa, tem oito anos de Natura. Antes de assumir o comando, era VP de logística e comercial da companhia.

O mercado recebeu a melhora com euforia: a ação disparou 10% com um volume cinco vezes maior que a média diária.

“A Natura é um papel muito querido pelos gringos, por conta da gestão e da pegada de sustentabilidade, então essas reversões de expectativa vêm com um giro muito forte”, diz um analista.

Nas últimas semanas, as ações da companhia sofreram com os investidores estrangeiros vendendo ações brasileiras, especialmente de consumo, em meio aos temores de fracasso da reforma da Previdência e outras racionalizações ex post.

Além disso, no começo do mês, a concorrente Avon divulgou resultados fracos   queda de 5% do faturamento no País  o que gerou temores de que o mercado brasileiro de perfumaria e beleza não estivesse cheirando tão bem.

Nos últimos anos, os preços mais altos da Natura fizeram a companhia perder share com o movimento de downtrading clássico das crises, o que deu vantagem a concorrentes como a própria Avon.

O novo CEO abriu o capô do carro e mexeu no modelo de vendas, que deixava a Natura para trás.  Antes, para fazer pedidos à companhia, as revendedoras precisavam de um score mínimo de 80 pontos. (Geram pontuação mais alta os produtos mais caros e aqueles que a companhia quer promover no ciclo do catálogo.) Além disso, elas recebiam 30% de comissão independentemente do volume de vendas.

Com as clientes dispostas a gastar menos, muitas vezes as consultoras não atingiam a pontuação mínima – e acabavam deixando na mesa um tíquete menor mas precioso para a companhia. Sob a gestão de JP, a Natura baixou a régua. Agora, as consultoras podem fazer pedidos a partir de 50 pontos, mas com uma comissão menor, de cerca de 20%.

E a compensação agora varia. As consultoras foram classificadas em cinco categorias – semente, bronze, prata, ouro e diamante – e, conforme vão progredindo de fase, com pedidos maiores, podem morder uma margem maior das vendas, chegando até a 35%.

O modo como as consultoras é organizado e liderado também mudou. A Natura reduziu o número de Consultoras Natura Orientadoras (CNO), uma espécie de tropa de elite que coordena outras revendedoras e recruta novas consultoras para o exército. Ficaram apenas as mais qualificadas, que passaram a receber uma remuneração maior: antes de R$ 1,5 mil a R$ 3,5 mil por mês, agora elas podem ganhar mais de R$ 8 mil mensais.

Isso se refletiu numa limpeza da base, eliminando as consultoras pouco produtivas: no trimestre, o número de revendedoras caiu 9% em relação ao mesmo período de 2016, num movimento que deve continuar nos próximos meses.

O novo modelo de remuneração, que vinha funcionando de forma piloto, passou a vigorar de forma mais ampla em junho.

O desempenho da operação brasileira ofuscou a maior novidade do balanço: a Natura passou a consolidar pela primeira vez os resultados da The Body Shop, comprada da L’Oreal em junho por € 1 bilhão.

Como a operação só foi concluída em setembro, o resultado do terceiro trimestre incluiu apenas um mês de resultados da empresa adquirida. A contribuição para o EBITDA foi de R$ 12 milhões, com margem bem menor que a da Natura, de 4,7%.

“Quando eles anunciaram a aquisição, muita gente pensou, com razão: como eles vão conseguir arrumar uma empresa global se não estão conseguindo nem arrumar a própria casa?” diz um gestor. “Agora o fato é que, pelo menos no Brasil, o negócio está começando a melhorar.”

Apesar do salto na produtividade e do aumento das receitas, a cautela convida a esperar para ver se a tendência se mantém. Os números do terceiro trimestre, apesar de fortes, vieram poluídos por efeitos não recorrentes relativos a uma reversão de provisões tributárias, que inflaram as receitas e as margens e dominaram a teleconferência com analistas. 

“É um resultado difícil de ler. No fim das contas, não dá pra saber o quanto a Natura ‘pagou’ para ter esse ganho de rentabilidade”, diz um analista que ainda não vê um bom ponto de entrada para o papel. “Acho que ainda é cedo para falar em ponto de inflexão, mas, se o desempenho se repetir no próximo trimestre, acho que vai ter muita gente voltando a olhar o papel.”