Em meio a uma série de mudanças para tentar reverter sua perda de market share, a Natura surpreendeu os investidores ao anunciar a troca de seu CEO, Roberto Lima, no cargo há apenas dois anos. Ele foi substituído pelo vice-presidente comercial, João Paulo Ferreira.

A Natura tentou imprimir uma fragrância agradável à partida, dizendo que o movimento havia sido coreografado. Em uma teleconferência com analistas ontem à noite, o CFO José Roberto Lettiere afirmou que o mandato de Lima tinha nascido para ser breve: sua missão teria sido a de preparar um comitê executivo para comandar a empresa nos próximos dez anos – objetivo que já teria sido cumprido.

No mercado, no entanto, o discurso não colou, especialmente porque não foi anunciado um substituto para Ferreira, que respondia pelo complicado canal de vendas diretas e por todo o esforço de inovação do modelo de negócios da empresa.

Há sete anos na Natura, onde já passou pelas áreas de operação e logística, Ferreira fez sua carreira na Unilever, onde trabalhou durante 20 anos e foi vice-presidente de supply chain.

Dos 13 analistas que cobrem a Natura, apenas um recomenda compra; seis sugerem venda.

Lima, que foi presidente da Vivo entre 2005 e 2011, assumiu o comando da Natura em agosto de 2014.  Sua missão mais imediata era melhorar a eficiência da empresa, e ele começou bem: nos primeiros seis meses no cargo, cortou uma camada inteira do managament.

Mas sua gestão não entregou resultados suficientes para reverter a perda de market share que começou a erodir a Natura há seis anos.

Em 2010, a Natura liderava o mercado de higiene e beleza com 14,9%, uma participação que caiu para 11,1% em 2015, segundo a Euromonitor.

No mesmo período, a Unilever ganhou 1,8 ponto percentual e assumiu a dianteira com 12,2%, enquanto o Boticário saltou de 6,9% para 10,9%.  Entre analistas, a expectativa é de que o Boticário ultrapasse a Natura já neste ano.

A gestão de Lima também pecou por uma comunicação hesitante:  um grande investidor internacional disse ao Brazil Journal que pretendia comprar ações da empresa, e só não o fez porque o agora ex-CEO se recusou a recebê-lo. A reclamação também era comum entre investidores locais.

A Natura está tentando.

Seu canal de e-commerce, a Rede Natura, foi lançado como piloto em 2012, ainda na gestão de Alessandro Carlucci, mas começou a ganhar corpo recentemente. 

Também durante a gestão de Lima, a Natura — que nasceu e cresceu como uma empresa ‘monocanal’ —  tomou a decisão estratégica transformacional de entrar no varejo: primeiro com farmácias (sua linha ‘Sou’ já está em 70% das lojas da Raia Drogasil e deve chegar a 100% até o fim do ano), e depois com lojas próprias: a empresa já abriu lojas nos shoppings Morumbi, Pátio Paulista e Villa Lobos, todos em São Paulo, e planeja abrir mais duas até o fim de 2016.

Não está claro que mais esta troca de comando vai resolver os problemas da Natura, onde a falta de consenso entre os controladores prejudica a definição e a execução da estratégia.

Analistas e investidores dizem que a empresa sofre de uma ‘cultura da lentidão’.  “As lojas abertas até agora são muito conceituais e até que isso vire um modelo de franquias mais efetivo vai muito tempo”, diz uma fonte.

Pessoas próximas à empresa dizem que os três acionistas controladores não parecem estar na mesma página quanto ao futuro da empresa. Segundo essas pessoas, Pedro Passos, o menor dos três controladores e o que entrou na sociedade por último, tem sido mais ativo em exortar a empresa a diversificar seu canal de vendas, reduzir a dependência das consultoras e diversificar sua marca.

“Cada um puxa para um lado e ninguém tem a iniciativa de entrar de cabeça na transformação”, diz uma fonte, referindo-se a Passos e seus dois sócios, Luiz Seabra e Guilherme Leal.

Apesar do passo lento, o balanço do segundo trimestre permitiu aos investidores sonhar com uma retomada. As vendas brutas no Brasil subiram após seis trimestres, e a produtividade das vendedoras finalmente avançou após oito trimestres.

O lucro foi de R$ 91 milhões, 22% menos que no mesmo período de 2015, mas uma excelente notícia quando comparado ao prejuízo de R$ 69 milhões contabilizado entre janeiro e março deste ano — o primeiro trimestre no vermelho desde que a empresa abriu capital, em 2004.

Hoje à noite, a Natura divulga os números do seu terceiro trimestre. O consenso de mercado medido pela Bloomberg é de uma alta de 3% na receita e lucro 12% melhor.