A jornada da modernização da economia chinesa enfrentará “águas agitadas e até mesmo tempestades perigosas,” Xi Jinping disse no último dia de 2024.

E 2025 já começou agitado.

O ano iniciou com um tombo das ações locais e queda do renminbi ante o dólar, enquanto os juros longos dos títulos públicos mergulharam aos patamares mais baixos em pelo menos 15 anos.

Em um mercado atingido pela perda de confiança diante da acentuada desaceleração do PIB, ‘recessão’ e ‘japanização’ já são termos usados com frequência nas análises econômicas.

O colapso do mercado imobiliário e a desaceleração de uma economia estrangulada pelo endividamento excessivo lembram cada dia mais o estouro da bolha do Japão no início dos anos 1990. 

Um dos sintomas que mais chama atenção é o desmoronamento da curva de juros.

As taxas nominais dos títulos de 10 anos recuaram abaixo de 1,6% pela primeira vez na história, batendo as mínimas registradas em 2009 durante a crise financeira internacional. Há um ano, os yields desses papéis estavam acima de 2,5%.

Nos papéis de 30 anos, os yields mergulharam para 1,8%. Há um ano, estavam em 2,8%.

Há grande demanda por esses títulos pelos bancos e seguradoras – que diante da retração nas alternativas de uso do capital defendem-se no porto seguro dos papéis governamentais.

Ao mesmo tempo, investidores fazem posições apostando que as taxas poderão cair ainda mais com a possibilidade de o Governo dar novos incentivos para impedir uma freada mais severa da economia.  

Os juros de curto prazo já vão se aproximando de zero. O rendimento do título de 1 ano recuou para 0,8%.

O Banco Popular da China, o BC chinês, vem intervindo comprando títulos de curto prazo e vendendo os de vencimentos mais longos. 

A China busca administrar um pouso suave, enquanto realiza uma transição para uma economia menos dependente dos grandes investimentos em infraestrutura.

O país se prepara também para os possíveis efeitos do protecionismo de Donald Trump. O presidente eleito, que toma posse em 20 de janeiro, prometeu implementar tarifas adicionais de 10% sobre as importações chinesas.

A China vem conquistando protagonismo em áreas como carros elétricos e energia renovável – mas outros vetores de crescimento perderam força.

O endividamento total da China, somando o setor público e o privado, sobe constantemente há três anos e se aproxima de 300% do PIB – quase o dobro do percentual brasileiro.

É um nível similar ao atingido pelos EUA e pela zona do euro durante a pandemia, mas o endividamento de americanos e europeus está em declínio, recuando para perto de 250% do PIB. 

O setor imobiliário, que era um dos principais motores da atividade local, bateu no teto e entrou em queda acentuada a partir de 2021.

O estouro da bolha nos preços dos imóveis destruiu o equivalente a US$ 18 trilhões em riqueza das famílias, segundo uma estimativa do Barclays. Foi uma perda maior do que a sofrida pelos americanos no crash de 2008-2009.

Segundo o Financial Times, as autoridades do BC chinês declararam que a taxa básica de juros deverá ser cortada em “algum momento de 2025.” Hoje a taxa está fixada em 1,5%, nível considerado neutro.

De acordo com o FT, o BC chinês deverá passar a ter uma ação mais “ortodoxa,” utilizando como principal instrumento a taxa básica de juros, em vez de se guiar por “objetivos quantitativos.”

Há décadas o BC chinês controla diversas taxas usadas de referência no sistema financeiro e orienta os valores totais de crédito que deve ser oferecido pelos bancos.

O último ano em que a China cresceu acima de 8% foi em 2021. No ano passado, o avanço ficou em torno de 5%, dentro da meta projetada pelo Governo.

O objetivo oficial agora é perseguir um crescimento “ao redor” de 5%. Mas o número deverá ficar próximo de 4,5% em 2025, de acordo com uma sondagem da Bloomberg, e poderá recuar para 4,2% em 2026.

Com os juros já próximos do chão e lidando com a ameaça de uma espiral deflacionária, a China deu sinais de que vai aumentar os gastos fiscais. A meta para o déficit fiscal neste ano acaba de ser elevada de  3% para inéditos 4% do PIB.

Os chineses também estão deixando a sua moeda se enfraquecer ante o dólar.

Desde setembro, a cotação do dólar no mercado local subiu de 7 para 7,30 iuanes.

Com as exportações chinesas enfrentando barreiras crescentes nos EUA e na Europa, a moeda mais fraca colabora na competitividade das exportações – seja dos carros elétricos ou das bugigangas vendidas nas lojas da 25 de Março e da Saara.

 

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