Quando Pedro Testa foi convidado para o aniversário de um amigo de faculdade, lá se vão oito anos, não imaginava que uma bebida servida na festa mudaria sua vida.
Sócio do Trindade Advogados, o advogado havia comprado cinco anos antes uma fazenda para buscar refúgio da rotina frenética de sua vida Suits.
Pedro chegou ao Vale da Grama, na divisa de São Paulo com o sul de Minas, com a intenção de criar gado, mas com experiência zero.

“Até então não sabia que vaca precisava parir para dar leite, nem que galinha voava. Cheguei na roça para aprender esse ofício e comprei a Fazenda Santa Maria,” o advogado disse ao Brazil Journal.
Mas um detalhe não passou despercebido: só ele criava boi naquele lugar. “Olhava o morro e só via café e oliveira. Alguma coisa errada eu tava fazendo.”
A bebida que Pedro provou na festa do amigo era um vinho brasileiro, um Syrah da vinícola Guaspari. O sabor foi uma revelação.
Como numa cena de Sideways – o filme em que Paul Giamatti percorre o Napa Valley em busca do pinot noir perfeito – naquele momento Pedro pensou pela primeira vez que o Vale da Grama poderia ter potencial vitivinícola.
Anos depois, aquele estalo o levou a produzir o primeiro vinho tinto brasileiro a integrar a seleção de melhores vinhos do mundo, segundo The World’s Best Sommeliers Selection (da mesma instituição responsável pelo World’s 50 Best Restaurants), e o primeiro vinho branco sul-americano a ganhar a medalha de prata no Decanter World Wine Awards, uma das competições de vinho mais prestigiadas do mundo.
“Assim como não entendia de gado, também nada sabia sobre vinhos, mas fiquei curioso para descobrir como alguém produzia vinho em São Paulo e fui puxando o fio até chegar ao Murilo Regina, o engenheiro agrônomo que criou a técnica da dupla poda [que inverte o ciclo natural da videira para que a colheita ocorra no inverno, período no Brasil com condições climáticas mais favoráveis à maturação].”
Pedro também conheceu Cristian Sepúlveda, um enólogo chileno que havia saído da Guaspari e montado uma consultoria. “Essa galera estava fervilhando, e eu me senti um early adopter do negócio.”
Foi aconselhado a plantar um hectare de Syrah, que por ser uma planta mais forte seria um começo mais sensato. “Apanhei muito no começo, passei anos lutando com formigas, fazendo paisagismo onde antes era café e pasto. Até o Cristian me indicar o lugar ideal para fazer um vinho fodão”.
A sugestão do consultor chileno não poderia ter sido mais irônica. O melhor terroir para o vinhedo dos sonhos de Pedro estava literalmente do outro lado da cerca, na fazenda vizinha, a 1.300 metros de altitude.
A Fazenda Laje, uma propriedade centenária de cultivo de café, pertencia a um tal de Asdrúbal, que havia dedicado décadas de sua vida àquelas montanhas. Por sorte, acaso, sincronicidade, destino – ou tudo junto – a propriedade estava à venda.
A primeira tentativa de negociação não prosperou. “Ele foi simpático até eu contar o que pretendia plantar”.
A reação foi previsível para quem havia dedicado a vida ao cultivo dos grãos que fizeram a fama da região (o conceituado café Orfeu é plantado em uma fazenda vizinha). “No entanto, dias depois ele me entregou a chave dizendo que o Vale escolhia quem plantava ali.”
Com a compra da Laje, o empreendimento chegou aos sete hectares. Foi lá que Pedro construiu a vinícola e onde estão plantadas as Cabernet Franc, Merlot e Sauvignon Blanc, as estrelas do projeto Casa Tés (a fusão de seu sobrenome com o nome de sua esposa, Tessa), que produz apenas três rótulos: dois tintos e um branco.
Altitude elevada, solo enriquecido por minerais vulcânicos, relevo acidentado e amplitude térmica formam o terroir excepcional do Vale da Grama, razão pela qual variedades difíceis como Cabernet Franc e Merlot atingiram ali uma elegância incomum, que permite aos frutos manter a acidez adequada enquanto desenvolvem complexidade aromática. “E a gente não usa prensa para extrair o vinho, o que mantém a qualidade altíssima,” disse Pedro.
Além destas características, há um outro diferencial nos vinhos da Casa Tés, batizado por Pedro de “o terroir da roça”: o protagonismo feminino em suas operações de campo.
“É uma fazenda de mulheres. Elas trouxeram uma sensibilidade diferente para o manejo das videiras, uma atenção aos sinais sutis que as plantas emitem e uma paciência para os trabalhos minuciosos que a viticultura de alta qualidade exige”.
Mas faltava um toque final, uma ponte com o mundo, que veio com a chegada do renomado enólogo francês Pierre Lurton, presidente do conselho de administração do Château Cheval Blanc e do Château d’Yquem, em Bordeaux, e do Cheval des Andes, em Mendoza, todos do grupo LVMH.
“Quando provei o vinho do Pedro, eu disse a ele: ‘Você tem aqui um grande potencial para produzir bons vinhos,’” recorda Pierre. “Mas o homem conta tanto quanto o terroir. Pedro tem carisma, sensibilidade e um desejo genuíno de fazer algo excepcional.”
Hoje, Pierre preside o conselho da Casa Tés, unindo a tradição francesa à inovação brasileira numa das colaborações mais inusitadas da viticultura sul-americana.
“O vinho 23 e o 24 [este ainda não comercializado] já são frutos do trabalho dele. O Pierre não é só um nome. Ele trabalha duro, anda pela fazenda, quer tudo perfeito, discute cada corte, cada detalhe, como um craque,” disse Pedro.
A ambição por excelência se estende à estratégia de oferta dos rótulos. Em vez de grandes volumes em redes varejistas, a Casa Tés adotou o modelo de venda por alocação, comum nas vinícolas cult do Napa Valley e de Bordeaux. “É igual na advocacia empresarial: não dá para ter escala. São apenas 5 mil garrafas vendidas por ano.”
Esse rigor se reflete também no processo de envelhecimento. A vinícola combina inox, tanques de concreto e barricas francesas da Taransaud para criar diferentes perfis de maturação, um quebra-cabeça que só se completa no assemblage. “O Pierre trouxe esse olhar: usar madeira com inteligência, manter a fruta viva. O vinho precisa respirar, não mascarar.”
Alguns dos melhores restaurantes do País também fazem parte dessa história: D.O.M., Evvai, Lasai, Cipriani, Nelita e Tuju estão entre os que oferecem os rótulos da Casa Tés.
“Colocamos imediatamente na carta. É um vinho brasileiro, feito com amor, que não negocia qualidade,” disse Rafael Costa e Silva, o chef do Lasai, eleito o melhor restaurante do Brasil e 28º do mundo pelo 50 Best em 2025.
Com demanda internacional em alta, o desafio agora é escalar com parcimônia. O plano, segundo Pedro e Tessa, é crescer com consistência, mantendo o espírito original. Fazer vinho como se assina um contrato: linha por linha, detalhe por detalhe. Ou, como disse Janaína Torres, eleita a melhor chef mulher do mundo em 2024: “A Casa Tés é um pequeno gigante. Tenho uma garrafa da safra 2021 guardada para 2031. Um vinho assim merece ser esperado.”












