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Facebook, você é uma empresa muito bem sucedida. Uma boa ideia muito bem executada e financiada, que acabou se tornando uma meca para os anunciantes. Eu invejo seu fluxo de caixa e sua habilidade de convencer as marcas de que elas não têm outra opção a não ser se render a seus encantos.

Que marca não anunciaria num lugar onde as pessoas estão falando sobre ela? Quem bancaria o risco de ter um relacionamento ruim com uma plataforma que “gerencia” os dados de 2 bilhões de consumidores? E não ‘qualquer’ consumidor, mas o consumidor dessas marcas.

Elas arriscariam não investir toneladas de dólares em uma plataforma de mídia que pode influenciar, segmentar e entender todo momento sensível de seus amigos? E se a concorrência estiver ouvindo que seus clientes e consumidores estão infelizes e vulneráveis?

Você, meu querido amigo anunciante, está com as mãos atadas. E eu sinto muito por isso. 10064 f97c3fe2 7810 0000 0fb8 f36f70f20b1a

Mas vamos voltar a nós dois, Facebook. Nós não estamos bem. É hora de encarar a realidade: não podemos ser amigos. Sei que essa conversa já é velha, e que nós estamos lidando com uma relação passivo-agressiva há muito tempo.

Mas vamos ser francos: como publisher, meu propósito nesse mundo louco é prover jornalismo profissional, o tipo de informação que empodera os cidadãos a decidir o futuro de suas comunidades.

Isso significa que eu tenho boas pessoas fazendo perguntas que outras normalmente não querem responder, procurando e encontrando os fatos que governos e empresas não querem que ninguém encontre. É isso que fazemos todos os dias há mais de um século.

Nos bons e velhos tempos, nós financiaríamos esse negócio com propaganda. Mas como você bem sabe, você e o Google estão com todos esses dólares dos anúncios agora. O que eu posso dizer? Bom pra você, cara.

É por isso que não podemos ser amigos de verdade: o meu propósito é jornalismo. O seu é conectar pessoas e vender coisas. Eu preciso ter credibilidade, trabalhar duro na procura de informações confiáveis. Você é agnóstico sobre o bem o mal neste mundo. Você não se importa se a informação é boa, contanto que alguém pague para promovê-la.

Você precisa que as pessoas fiquem trancafiadas na sua plataforma, gastando tanto tempo quanto possível. Eu preciso que elas venham até nós, confiando no nosso trabalho como jornalistas, e vejam o quanto o conteúdo profissional independente que fazemos para eles todos os dias é valioso. Tentamos falar para todos os grupos e refletir os valores dos países livres e democráticos nos quais vivemos.

Você diz que notícias não são importantes no Facebook porque seu propósito é conectar pessoas por meio de suas histórias pessoais. Justo! O Facebook não é um lugar para o bom jornalismo. Eu entendo. Você diz que as pessoas preferem gatinhos, bebês e férias perfeitas. Eu também gosto de todas essas coisas! Mas o que as pessoas realmente estão fazendo é consumir e compartilhar informações falsas e prejudiciais.

Você se tornou uma espécie de Mundo Bizarro de notícias. Lembra dele? Eu adorava como o jornalismo era retratado como uma extensão do Super Homem, brigando pela verdade. Você não amava o Planeta Diário? (O Mark, provavelmente, não.)

Ao mesmo tempo em que você diz que as pessoas não se importam com notícias reais, você, como um perfeito samaritano, continua a investir em ferramentas e negócios para fazer com que eu, publisher de notícias, me sinta amada.

Eu sei que esses parcos dólares não são nada para gigantes como você, e o ROI de relações públicas deve ser bom comparado com o passivo que seu modelo de negócio traz.

Eu também sei que você pode gastar bilhões para manter a imagem de “bom moço” que desesperadamente deseja, e que você ainda precisa de nós para alcançar esse objetivo. Eu reconheço seu esforço. Bom trabalho!

Reconheço que perdi a batalha pelos dólares de anúncios. É um mercado livre. De agora em diante, preciso de assinantes pagando pelo jornalismo independente que eles precisam para continuar vivendo em uma democracia. Esse é meu propósito e missão. E eu não posso confiar em você para ser meu parceiro nesta empreitada.

Como você disse: o Mark sempre pode mudar de ideia e de algoritmo.

Nós vamos encontrar um jeito de manter o bom jornalismo vivo e operante.

O problema não é você, sou eu.

Andiara Petterle é vice-presidente de jornais e mídias digitais do Grupo RBS.

 

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