Semana passada o Presidente Bolsonaro reuniu vários ministros e o presidente da Petrobras para anunciar sua intenção de mudar a sistemática da cobrança do ICMS e afirmar que não vai intervir nos preços da Petrobras. 

Não há dúvida quanto à necessidade do Brasil discutir a tributação dos combustíveis. Porém, o correto não é apresentar um projeto às pressas, e sim tratar do assunto no âmbito da reforma tributária, que, segundo os novos presidentes da Câmara e do Senado, estará aprovada nos próximos sete a oito meses. Mas, o presidente, ao sugerir um Projeto de Lei Complementar (PLC), parece estar mais preocupado em agradar a classe dos caminhoneiros do que em dar uma solução ao problema tributário nos combustíveis.

As mudanças precisam estar voltadas para reduzir a enorme sonegação que existe no Brasil, hoje estimada em R$ 21 bilhões por ano. Eliminar a sonegação permitiria uma redução nos impostos sem perda de arrecadação para os estados. 

Simplesmente defender a redução dos impostos de combustíveis fósseis num momento em que o mundo faz a transição energética vai totalmente na contramão das boas práticas de política ambiental.

O problema dos caminhoneiros não é simplesmente restrito ao preço do diesel. É preciso entender a cadeia de custos dessa atividade e os eventos que levaram à perda de receitas por parte desse segmento.

Cada caminhoneiro autônomo, para calcular o seu frete, leva em consideração: (i) o preço do diesel; (ii) a depreciação do caminhão; (iii) a manutenção do caminhão; (iv) a remuneração do caminhoneiro; (v) os tributos; e (vi) os pedágios. Por óbvio, qualquer aumento numa dessas variáveis causaria para o caminhoneiro a mesma insatisfação do aumento no preço do diesel, mas, pasmem, essa lógica não vale no Brasil.  Foca-se apenas no diesel.

Desde setembro de 2020, as vendas de diesel registram alta em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em janeiro deste ano, a venda de diesel pela Petrobras cresceu 18% em relação a 2020, sugerindo claramente uma demanda maior pelo transporte rodoviário de carga. Por que então a volta da ameaça de greve? 

Simples: os caminhoneiros aprenderam, na greve de 2018, que uma pressão sobre o Governo pode lhes render privilégios em relação a outros segmentos da sociedade.

Oportunismos à parte, é preciso combater os problemas estruturais que afetam a categoria — até para não continuarmos reféns dela.

Como se sabe, a origem do problema está em 2006, na criação do “Pró Caminhoneiro”, quando o governo lançou um enorme programa de financiamento para a compra de novos caminhões, incentivando de forma artificial o aumento de caminhões rodando no Brasil. Essa política de crédito subsidiado para a compra de caminhões por parte do BNDES criou um problema estrutural de excesso de caminhões. 

A guerra pelo frete fez com que os caminhoneiros diminuíssem cada vez mais suas margens até um limite onde não conseguiam repassar ao preço do frete nenhum aumento, em nenhuma das variáveis de composição do seu próprio custo, dentre elas o preço do diesel.

Com essa equação complexa, sempre o primeiro pleito é empurrar a conta para alguém. No governo da Presidente Dilma, a conta foi paga pela Petrobras — um prejuízo de US$ 40 bilhões para os acionistas. No Governo Temer, pelo contribuinte (quase R$ 10 bi em subvenções.) 

Qual seria a saída para afastar de vez o fantasma da greve?

A resposta estrutural passa por quatro medidas: (i) recompra de caminhões de idade mais elevada; (ii) criação de uma bolsa de requalificação dos caminhoneiros; (iii) criação de um fundo para estabilização do preço do diesel; (iv) melhoria da qualidade das estradas.

O primeiro item prevê a retirada de 110.000 caminhões de autônomos das estradas, o que corresponde a 20% do segmento e 10% do total. A estratégia seria adquirir os veículos que têm mais de 23 anos, reduzindo a idade média da frota. Ao diminuir a frota, o preço do frete melhora.

Ao mesmo tempo, seriam oferecidas bolsas para a requalificação desses caminhoneiros com duração de dois anos, em parceria com instituições de ensino profissionalizante, como Sesc e Senai. No futuro, quando o País retomar o crescimento, a parcela da frota que foi retirada de circulação poderia ser substituída por caminhões a GNL, menos poluentes.

Já o fundo de estabilização do preço do diesel é autoexplicativo: ele amorteceria a volatilidade natural do mercado de petróleo. O Brasil cada vez mais será um grande produtor de óleo e gás, e com isso aumentará a arrecadação com royalties. O valor direcionado ao fundo seria apenas o excedente da arrecadação dos royalties em relação ao estabelecido no orçamento da União todos os anos.

Finalmente, precisamos investir na melhoria de nossas estradas, o que inclui acelerar as concessões a empresas privadas. O Brasil aparece em 103º lugar entre 137 países no índice de qualidade de rodovias do World Competitiveness Report. Isso acarreta maiores riscos de acidentes, mais manutenção e viagens mais longas que o normal. 

A melhor política pública é aquela que garante soluções estruturais, atacando os verdadeiros problemas. 


Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Pedro Rodrigues é sócio do CBIE e criador do canal Manual do Brasil, no YouTube.