O CADE abriu inquérito hoje para apurar suposto abuso de poder de mercado pela BM&F Bovespa, num movimento que pode complicar a aprovação de sua fusão com a Cetip.

O órgão acatou uma denúncia feita em abril pela ATS Brasil, que quer implantar uma bolsa concorrente no Brasil.
 
Em nota técnica, o antitruste afirma que há indícios de que a Bovespa estaria se valendo de sua posição de monopolista no mercado para “elevar consideravelmente as barreiras à entrada para potenciais concorrentes”. 
 
Na denúncia de mais de 300 páginas, a ATS afirma que tentou negociar por mais de dez meses, sem sucesso, o uso dos serviços de pós-negociação da BM&F Bovespa – uma das condições para conseguir montar uma plataforma de negociação de ações.
 
A empresa queria acesso aos serviços de câmara de compensação (clearing), que liquida e garante os negócios realizados pelos investidores caso uma das partes não honre o compromisso, e à central depositária, responsável pela custódia e movimentação de valores mobiliários.
 
A ATS afirma ainda que um aumento nas tarifas de pós-negociação implantado pela BM&F Bovespa em 2011 visava comprimir as margens de estreantes que não dispusessem desse tipo de serviço.
 
O aumento, a ATS alega na reclamação, aconteceu logo após outras potenciais concorrentes da BM&F – a Direct Edge e a Bats — fazerem sondagens para entrar no mercado de bolsa no Brasil.
 
Com o aumento tarifário, a ATS chegou a tentar construir uma clearing própria, mas diz que não conseguiu autorização do Banco Central porque precisa de acesso, pelo menos, à central depositária.
 
Para embasar a denúncia, a ATS conta com um parecer de 50 páginas elaborado pela consultoria LCA, cuja conclusão é que “os preços propostos pela BVMF à ATS caracterizam práticas anticompetitivas, dificultando o estabelecimento ou a competição de quaisquer plataformas rivais no mercado brasileiro”.
 
O timing da abertura do inquérito não poderia ser pior para BM&F Bovespa e Cetip, que tentam ter sua fusão, anunciada em abril, aprovada pelo órgão regulador.  A expectativa dos investidores é de que o processo seja concluído no primeiro trimestre de 2017.
 
A ATS já ingressou no processo de fusão como ‘parte interessada’, alegando que há falta de clareza sobre como a BMF e a Cetip pretendem atender à obrigação de acesso às infraestruturas a terceiros. A ATS alega que os compromissos feitos pela Bovespa nesse sentido são ‘vazios’.
 
A ATS tem uma história cercada de polêmicas. É controlada pela Americas Trading Group, dos investidores Arthur Pinheiro Machado, Martin Cohen e Francisco Gurgel do Amaral Valente, que atuavam na Ágora, vendida para o Bradesco em 2007.  A NYSE Euronext, dona da Bolsa de Nova York, tem 20% de participação na empresa, obtida por meio de um acordo para licenciar um de seus sistemas para a nova plataforma.
 
O problema é que a maior parte dos recursos para financiar o lançamento da ATS veio do Postalis, o encrencado e deficitário fundo de pensão dos funcionários dos Correios.   
 
O investimento foi realizado por meio de um fundo de investimento em participações (FIP) e de debêntures de empresas ligadas aos sócios brasileiros, e já provocou questionamento por parte dos auditores do Postalis e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
 
Ainda assim, o desenrolar do caso vai ser importante para o futuro da concorrência do mercado de bolsa no Brasil.
 
Na comparação mundial, a Bovespa cobra caro. Um estudo feito pela consultoria britânica Market Structure Partners em 2014 mostra que os custos da Bovespa variam entre 2,50 e 3,45 basis points (bps) para cada transação, perdendo apenas para a Bolsa da Espanha, que também não tem rivais.
 
Nos Estados Unidos, onde 13 bolsas competem para ser o lugar onde os ativos são negociados, essa tarifa não passa de 0,1 bp. Na média de 17 países, fica em 0,43 bp.