A fortaleza eleitoral do peronismo não se rendeu a Javier Milei.

O presidente argentino sofreu uma dura derrota nas eleições legislativas provinciais ocorridas ontem em Buenos Aires, onde se concentra quase 40% do eleitorado do país – indicando dificuldades para a coalizão governista conquistar maioria no Congresso nas eleições nacionais de meio de mandato, no próximo mês.

A margem de vitória peronista ficou acima do antecipado, derrubando os ativos argentinos hoje pela manhã.

O ETF ARGT, que captura a oscilação das ações argentinas em dólar, mergulha mais de 10%. Desde o pico de valorização no ano, em maio, a queda acumulada é de quase 25%.  

Os títulos argentinos em dólar caíram em toda a curva. O yield do papel de dez anos, o mais líquido, foi a 12,6%. Em janeiro, na mínima do ano, estava abaixo de 10%.

No mercado local, o dólar sobe 6% e encostou no teto da banda estipulada pelo governo.

A coalização peronista Fuerza Patria, do governador peronista Alex Kicillof, obteve 47% dos votos contra 34% da frente La Libertad Avanza, de Milei.

boopo javier milei

Votam nesse pleito os 135 municípios da província de Buenos Aires, distribuídos em oito seções. Mas os eleitores da cidade de Buenos Aires não participam. A capital federal é um distrito autônomo, e seus residentes escolhem o prefeito e os legisladores locais em uma eleição própria.

Milei descreveu os resultados como “uma clara derrota” em um pleito que testou o humor de uma grande parcela do eleitorado às vésperas da eleição de meio de mandato, em 26 de outubro.

O presidente argentino afirmou que dará continuidade ao seu programa de controle fiscal e à política cambial, mas prometeu realizar uma “autocrítica” e rever a estratégia antes do pleito nacional.

Milei tem conseguido impor uma agenda de ajustes mesmo sem maioria no Congresso. Mas uma derrota nas eleições de meio de mandato poderá significar uma barreira para a continuidade das reformas mais profundas – e coloca um ponto de interrogação na viabilidade do programa de estabilização monetária.

Contrariando as expectativas, a participação eleitoral acima do esperado não beneficiou o governo, disse o BTG. “Apesar das fortes divergências internas, o voto peronista foi unificado em uma chapa, enquanto o voto antiperonista foi mais fragmentado,” disse o banco.

Os 47% obtidos pelos peronistas ficaram em linha com o apoio dado a Kicillof há dois anos, quando ele foi eleito governador.

Segundo o BTG, houve quatro razões para o insucesso eleitoral de Milei.

Em primeiro lugar, a estratégia política não foi adequada, tendo sido “arrogante” e desrespeitando lideranças locais.

Em segundo, Milei não foi sensível a certas demandas sociais, como sua decisão de não financiar um hospital pediátrico.

Outro ponto foram as denúncias de corrupção envolvendo pessoas próximas a Milei que vieram à tona no mês passado.

Áudios atribuídos a Diego Spagnuolo, ex-diretor da agência nacional para pessoas com deficiência e advogado pessoal de Milei, revelaram uma suposta negociação de propinas na compra de medicamentos. Karina Milei, a irmã do presidente e seu braço direito, teria recebido uma comissão de 3% no sobrepreço pago pelos remédios.

Por fim, disse o BTG, a economia dá sinais de perda de vigor.

“Nos últimos dois meses, a queda na atividade foi acentuada, como resultado de uma estratégia monetária equivocada que elevou as taxas de juros às alturas,” afirmaram os analistas do banco.

“O governo implementou tantas mudanças na estrutura monetária que deu a impressão de improvisar em uma questão séria,” disse o BTG. “A equipe econômica constantemente culpou o risco político por tudo, mas pelo menos parte do problema pode ser atribuída a um plano mal concebido.”

As denúncias somadas aos efeitos do arrocho fiscal – que atinge o interesse de algumas categorias mais organizadas, como aposentados e funcionários públicos – também minaram a popularidade de Milei.

A instabilidade política e a falta de dólares em caixa – as reservas internacionais líquidas continuam negativas – atingiram o peso, e o governo vem fazendo intervenções no mercado para conter a desvalorização, o que pode comprometer o controle da inflação.

“A eleição na província de Buenos Aires ocorreu em meio a um aperto significativo das condições financeiras internas, uma desvalorização do peso, expectativas de um ligeiro aumento na inflação, uma desaceleração do crescimento econômico, tensões crescentes entre o governo do Presidente Milei e o Congresso, e alegações de corrupção contra membros do governo,” resumiu o analista Sergio Armella, da Goldman Sachs.

O Morgan Stanley retirou sua recomendação de compra para os ativos argentinos, dizendo que a derrota elevou a probabilidade do “cenário negativo em que o mercado passe a questionar a continuidade das reformas, aumentando a incerteza quanto às futuras fontes de financiamento externo.”

Luis Caputo, o ministro da Economia, disse na noite do domingo que nada muda. “Nem no fiscal, nem no monetário, nem no cambial.”

Mas a gestão Milei enfrentará agora o seu mais duro teste desde a vitória no final de 2023.