Os funcionários do Carnegie Hall ficaram até mal acostumados. Durante boa parte do ano de 2018, era comum se deparar com o ator Bradley Cooper rondando os corredores do lugar e distribuindo sorrisos. Ele até convidou o povo para assistir Nasce uma Estrela, produção na qual dividiu os holofotes com Lady Gaga, que havia acabado de estrear no país.

O périplo do ator fazia parte do laboratório para encarnar seu próximo projeto nas telas: uma cinebiografia do regente Leonard Bernstein.

O ponto de partida de Maestro (Estados Unidos, 2023), que a Netflix estreia em 20 de dezembro – embora já tenha sido exibido em festivais de cinema mundo afora – é justamente o Carnegie Hall, cujas salas e corredores Cooper fartou-se de visitar.

Foi lá que, em 1943, o jovem Bernstein substituiu o adoentado Bruno Walter à frente da Filarmônica de Nova York, sem direito a um ensaio sequer e regendo de cor. A performance do jovem comandante de 25 anos foi saudada pelo New York Times.

Quinze anos depois, ele assumiria o cargo de diretor artístico da orquestra e se tornaria não apenas um dos grandes nomes da regência do século XX mas também compositor de concertos e sinfonias, musicais da Broadway, pensador, educador e figura carimbada da alta sociedade, o que lhe rendeu o apelido de “Radical Chic” dado pelo escritor Tom Wolfe.

Cooper, além de protagonista, assina a direção. O roteiro foi dividido com Josh Singer (de Spotlight – Segredos Revelados) e mais do que a ascensão de Bernstein, ele foca no seu relacionamento com a mulher, a atriz costarriquenha Felicia Montealegre, vivida em todo o seu esplendor por Carey Mulligan.

Os dois se conheceram numa festa de Shirley Bernstein, irmã de Leonard. A cena do encontro e do flerte é um dos grandes momentos de Maestro: toda filmada em preto e branco, mostra o casal a princípio dividindo um cigarro para depois se afastar aos poucos do barulho dos convidados.

O preto e branco, mais do que uma evocação ao passado, é usado como um ótimo recurso criativo. À medida em que o maestro se torna um superstar, a sobriedade é trocada por uma explosão de cores. Como se Cooper quisesse levar os excessos de Bernstein para além da tela.

A atriz inglesa Carey Mulligan interpreta Felicia com dignidade, altivez e talento incomensuráveis. Ela, a princípio, fez vista grossa para o permanente estado priápico do marido, ávido em colecionar amantes do sexo masculino. A situação, claro, chega a um limite. Durante uma festa de Dia de Ação de Graças, ela explode e joga anos e anos de frustração na cara do marido. O relacionamento de Bernstein com a mulher, por vezes, confunde o espectador que espera uma biografia formal do maestro. Mas esse também é um dos grandes trunfos do filme.

A ideia de Cooper é mostrar um homem dividido entre duas de suas maiores paixões: a música e a mulher compreensiva que sempre o apoiou – e quem ele apoia em seus momentos finais (Felicia morreu em 1978; Bernstein, em 1990).

Maestro chega precedido pela polêmica da prótese de nariz que Bradley Cooper usou para se aproximar das feições de Bernstein. Mas é um queixume tolo, que diminui a entrega do ator ao papel. Cooper assimilou a voz anasalada do regente, bem como o jeito extravagante de Bernstein comandar a orquestra. A cena em que lidera um grupo sinfônico numa igreja, com os gestos largos e despejando cascatas de suor, é mais do que suficiente para deixar de lado o fato dele ser “pouco judeu” para assumir o papel.

Leonard Bernstein (“pronuncia-se Bernstáin, não Bernstin”, apressava-se em corrigir) nasceu em Lawrence, no estado de Massachusetts, e era filho de imigrantes ucranianos. Seus feitos no universo musical são infindáveis. Comandou a Filarmônica de Nova York de 1958 a 1969, onde estimulou programas educacionais e deu guarida a novos autores como Aaron Copland e William Schumann e Charles Ives.

Apaixonado pela obra do austríaco Gustav Mahler, foi um dos principais responsáveis pela sua revitalização junto ao público dos Estados Unidos e Europa (em suma, coube a ele mostrar a grandeza do compositor, que andava esquecido das salas de concerto).

Autor atento, brilhou tanto como compositor erudito quanto no universo dos musicais. Um de seus maiores feitos é West Side Story, que trouxe uma nova maneira de composição e coreografia para os palcos da Broadway.

Bernstein também foi um grande ativista dos direitos civis e protestou ativamente contra a Guerra do Vietnã. Muitas dessas atividades – por exemplo, sua adesão ao rock’n’roll – passam ao largo de Maestro. Ainda assim, é uma produção que faz jus a um dos grandes nomes da regência em todos os tempos.

Foto: Jason McDonald/Netflix