A palavra que entrou na boca de muitos CEOs e que deve movimentar as estratégias digitais de diversas indústrias.

Nos últimos tempos vimos a proliferação de plataformas digitais nas mais variadas indústrias. Praticamente todas as ações do dia-a-dia de uma pessoa, que antes precisavam ser feitas offline, hoje podem ser feitas digitalmente. O brasileiro, que figura no topo da lista de indivíduos que mais passam tempo no celular (a média em 2020 chegou em 9h18minutos por dia, segundo a agência We are social), aderiu largamente ao uso digital e deu força ao surgimento de aplicativos multi-serviços e produtos; os chamados ecossistemas. Um fenômeno que começou na China e está tomando os primeiros passos no Brasil.

Inevitavelmente muitos executivos tem se preocupado em não perder esta onda, se perguntando em como se conectar a estas plataformas, ou como se tornar uma.

Ecossistemas são plataformas digitais integradas, nas quais usuários conseguem consumir serviços e produtos variados condensados em um mesmo lugar. Neste contexto, o ecossistema age como um orquestrador: conectando provedores terceiros a consumidores. A vantagem para o usuário é poder fazer tudo com um mesmo login e forma de pagamento, passando com facilidade de uma oferta a outra, e alavancando rewards e programas de fidelidade. Quantas vezes você deixou de comprar alguma coisa por preguiça de baixar novos aplicativos, criar novos logins, incluir todos os seus dados cadastrais e de pagamento? Em um ecossistema, essa experiência é facilitada: um único login, uma única forma de pagamento, um universo de produtos e serviços para explorar.

A vantagem para o ecossistema orquestrador é ser o detentor dos dados e do relacionamento do cliente e ter acesso à múltiplas partes da jornada desse consumidor, ampliando as possibilidade de engajar os clientes e desenvolver modelos de rentabilização. Os provedores de serviços e produtos, por sua vez, se beneficiam do volume e escala, já que ecossistemas geralmente têm fluxos de pessoas bem maiores – Rappi, Mercado Livre e MagaLu, por exemplo, possuem mais consumidores passando por suas plataformas diariamente do que todos os shopping centers do Brasil juntos, segundo dados da FX Retail.

Os ecossistemas tem escopos e objetivos bem variados. Existe um grupo de ecossistemas que busca fazer tudo, embarcando a maior variedade possível de ofertas, os chamados “SuperApps”. Um bom exemplo disso é o Wechat, na China. O Wechat é um grande canivete suíço: consegue-se pedir um taxi, pagar conta, investir dinheiro, conversar com amigos, jogar games ou até entrar com processo de divórcio e casamento. Tudo em um aplicativo só. Existem restaurantes na China, em que você faz a reserva, escolhe o que comer, envia o pedido para a cozinha e paga a conta tudo no Wechat. Com toda essa gama de ofertas, a plataforma recolhe uma quantidade massiva de dados contextuais, que servem como alimento para modelos de análise avançada e inteligência artificial trabalharem cada vez melhor conversão de ofertas, engajamento e modelos de crédito, por exemplo.

O que aprendemos observando mercados maduros é que dificilmente existirão mais de três ou quatro SuperApps em um mesmo mercado. É um jogo de “winner takes all (or takes most)”, salvo alguma intervenção de órgãos reguladores. Para estar entre os poucos ganhadores dessa corrida, é preciso ganhar escala e engajamento muito rápido, mesmo que abrindo mão de monetização em um primeiro momento. Um segundo aprendizado é que pagamentos, dados, personalização e experiência do cliente são parte fundamental.

Também vemos o surgimento de ecossistemas focados em segmentos específicos. Neste caso, incumbentes que querem ampliar sua gama de ofertas, sem fugir do coração da proposta de valor da companhia, tentam oferecer uma maior variedade de produtos e serviços em verticais próximas ao seu negócio tradicional. Seguradoras, por exemplo, podem investir em ofertas de telemedicina e medicina digital, farmácia virtual, e muitas outras funcionalidades relacionadas a saúde e bem estar. Para aprofundar o relacionamento com seu cliente tomador de crédito imobiliário, bancos podem ampliar sua atuação para corretora de imóveis online, além de oferecerem serviços de manutenção de casas, etc. Foi o que fez a gigante PingAn, que virou um dos maiores ecossistemas de nicho da China.

O grande aprendizado de ecossistemas focados em segmentos e momentos de vida está na escolha das verticais a serem exploradas. Plataformas de sucesso tendem a fazer essa ampliação gradual, começando por verticais mais próximas ao coração da companhia. Nestas verticais, o ecossistema consegue utilizar ativos já existentes a seu favor, como conhecimento, base de clientes e sistemas tecnológicos; ganhando vantagem competitiva versos novos entrantes do mercado.

Outra fonte de sucesso é ter uma governança clara entre o ecossistema e a empresa mãe, encontrando um equilíbrio ideal entre proximidade e independência. O ecossistema precisa estar próximo o suficiente para conseguir utilizar a estrutura existente como propulsora, aproveitando todos os ativos e processos que o incumbente tem; mas não pode estar perto o demais para que as estruturas legadas e a burocracia da empresa tradicional não se tornem um peso para a decolagem e velocidade da plataforma. Para isso, definir a estrutura organizacional, linhas de reporte, graus de liberdade e processos de decisão são parte fundamental.

SuperApps e ecossistemas de nicho têm o mesmo objetivo: ancorar o relacionamento com o cliente e participar na maior parcela possível dos momentos e jornadas chave da vida do cliente. A diferença entre os dois casos está na competição e na amplitude de oferta.

De um jeito ou de outro, empresas vão precisar entender como se posicionar no jogo de ecossistemas. Ganha quem achar a melhor resposta para três perguntas estratégicas: Como jogar – participar ou orquestrar? Onde jogar – em que verticais? E com quem jogar – quais parceiros e quais tipos de parcerias?

Heitor Martins é sócio sênior da McKinsey no Brasil.

Marina Mansur é sócia associada da McKinsey no Brasil.

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