Para entender melhor o cenário atual sob impacto da COVID-19 e saber quais ações serão mais eficientes para uma sólida recuperação econômica em cada indústria, a McKinsey tem realizado uma série de estudos e pesquisas setorizados. O presente artigo sobre o mercado de seguros no Brasil, que sofreu impacto semelhante ao avaliado globalmente, é resultado de uma pesquisa com 500 corretores de seguros brasileiros realizada no final de junho de 2020.

A boa notícia é que, mesmo impactados pela crise, os corretores brasileiros têm demonstrado uma importante resiliência, tanto pela capacidade financeira quanto pelo apoio recebido das seguradoras. Apesar de grande parte deles notar uma redução considerável no volume de novos negócios durante a pandemia, o mesmo não aconteceu com as renovações, que foram pouco afetadas. Os profissionais estão recorrendo a diferentes estratégias para evitar cancelamentos, que têm sido pouco solicitados, concentrados em produtos auto.

A maioria está otimista com a recuperação e acredita numa maior demanda futura, principalmente em produtos de vida e saúde.  Embora o modo remoto de trabalho já fosse realidade e adaptado aos novos tempos, os corretores ainda necessitam de ajuda das seguradoras para gerar novos negócios. O novo normal exige mais eficiência dos canais de atendimento digitais das seguradoras com sua força de vendas e fortalecimento do relacionamento digital dela com seus clientes. Diante desses resultados, as seguradoras precisam repensar seus modelos de suporte e de viabilização de novos negócios a partir de quatro alavancas: aumentar a oferta de soluções e ferramentas digitais para melhorar a produtividade dos corretores em seus processos comerciais e de gestão, apoiar os corretores com geração de leads, otimizar a rede de atendimento de filiais e explorar novos produtos e serviços. 

  1. O mercado de seguros foi impactado pela pandemia, mas os corretores têm demonstrado importante resiliência

Primeira afetada pela pandemia, a China registrou em fevereiro uma redução de 14% em seu prêmio direto — índice que reflete a arrecadação total do mercado com a venda de seguros no país. No Brasil, o impacto da pandemia no mercado de seguros foi semelhante: em comparação com o mesmo período de 2019, entre março a maio deste ano houve uma queda geral de 18% no prêmio direto. Os segmentos mais afetados foram automóveis, com queda de 11%, e previdência, onde a variação no período chegou a redução de 34%. O segmento de seguros de vida teve uma queda de 3%, o que é pequeno se comparado à França, onde o segmento caiu 28% nos cinco primeiros meses de 2020 em relação ao mesmo período de 2019.

Do total de corretores pesquisados, 61% observou uma redução maior que 20% nas novas vendas. Ao observar as variações deste percentual por região, no Nordeste este valor chega a 68%, enquanto no Centro-Oeste a queda ficou em 45%. As renovações foram menos afetadas: apenas 19% dos corretores relataram queda de mais de 20%. A maioria dos profissionais (71%) relatou pouca queda, entre 0 e 20%.

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Quanto aos cancelamentos, mais da metade dos corretores (54%) não observou aumento nos pedidos de cancelamentos de apólices de seguros. Quando houve, maior parte dos cancelamentos esteve concentrado em seguro auto, com 38% dos respondentes relatando aumento de cancelamentos nesse segmento. O percentual de cancelamento é similar ao obtido em outros países que foram epicentro da pandemia — na China, 57% dos corretores não observaram aumento nos pedidos de cancelamento; mas, diferentemente de seus colegas chineses, os corretores brasileiros são mais capitalizados e recebem mais apoio financeiro por parte das seguradoras. No Brasil, 60% dos corretores estão capitalizados e não vêem problemas de liquidez para continuar operando se o nível de negócio atual não melhorar. Na China, esse percentual é de 27%, menos que a metade do Brasil.

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O apoio financeiro dado pelas seguradoras pode vir  na forma de adiantamento de comissões, o que foi visto por 53% dos corretores, ou de disponibilização de linhas de financiamento, opção observada por 40% deles. Apenas 22% dos corretores entrevistados não receberam qualquer tipo de apoio das seguradoras. 

  1. Os corretores já adotavam modo remoto de trabalho e adaptado aos novos tempos. Entretanto, ainda necessitam de ajuda para gerar novos negócios

O uso de canais digitais para interações com clientes já era corrente entre corretores e se tornou ainda mais importante. Antes da COVID, a maior parte dos contatos era por WhatsApp, telefone, por e-mail ou pessoalmente. Após o surgimento do COVID, o contato pessoal foi substituído por um aumento expressivo na utilização de vídeo e WhatsApp. Para fazer uma comparação, na China a utilização desses canais cresceu principalmente na prospecção de novos clientes; já nos EUA, boa parte das interações pessoais foram substituídas por ligações telefônicas.

O tempo que antes era dedicado a relacionamento e prospecção agora foi redistribuído e os corretores têm passado, durante a pandemia, maiores fatias de seus dias com atividades administrativas, treinamento, serviço de suporte pós-venda e preparação de vendas. Movimento semelhante foi observado nos EUA, onde os agentes reduziram em 15 pontos percentuais o tempo gasto com contatos pessoais e viagens.

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Apesar do contato virtual não ser novidade e grande parte dos corretores já terem bastante familiaridade com a utilização de meios digitais, construir um relacionamento inicial remoto com o cliente e manter a carteira atual remotamente foram considerados os maiores desafios durante a pandemia. Relacionamento e contato pessoal sempre foram centrais para os corretores brasileiros. Outros fatores que integram esse contexto desafiador são a geração de leads e navegar pelas diversas ferramentas digitais que fazem parte da nova realidade diária.

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As seguradoras têm um papel importante a cumprir nessa adaptação ao trabalho cada vez mais digital trazido pela realidade pós-COVID: 81% dos corretores consideram o suporte via ferramentas digitais mais ou muito mais importante no novo contexto. O percentual mostra que, no Brasil, os corretores valorizam mais o suporte digital do que em mercados mais maduros, como nos EUA, onde percentual para esse quesito foi de 70%. Essa capacitação é um fator preponderante para cerca de 90% dos corretores no Brasil se sentirem preparados para trabalhar de forma remota.

O suporte digital, seja através de treinamento online, sistemas digitais para assessoria de clientes, fornecimento de leads ou indicação de razões específicas para contatar clientes já existentes são pontos a serem considerados prioritários. O apoio ao corretor por meio da geração de leads é uma oportunidade ainda pouco explorada no Brasil e com enorme potencial. Na China, 77% dos agentes receberam algum novo lead e 57% receberam leads com algum tipo de insight, como oportunidades de cross-sell para clientes já existentes.

Quanto ao apoio que as seguradoras podem proporcionar aos segurados, os agentes enfatizaram a importância do aumento de descontos e da flexibilidade no pagamento de apólices — a possibilidade de ofertas mais básicas e acessíveis é importante para evitar cancelamentos. A fidelização do corretor é outro tema que deve ser incorporado ao topo da agenda das seguradoras, pois quase metade dos corretores ofereceu aos seus clientes uma oferta de preço melhor em outra seguradora como forma de evitar o cancelamento do produto. Dentro do ambiente virtual, as seguradoras também devem promover canais de auto-serviço com mais frequência e pensar em modelos com maior flexibilidade para pagamentos, medidas que se mostraram importantes no momento atual. 

  1. As seguradoras precisam repensar seus modelos de suporte e de viabilização de novos negócios aos corretores

Diante dessa nova dinâmica de mercado, há uma série de ações que as seguradoras podem tomar para potencializar seus negócios e estreitar seus relacionamentos com os corretores:

1. Investir mais em ferramentas digitais

a. Aumentar a oferta de soluções e ferramentas digitais para melhorar a produtividade dos corretores em seus processos comerciais e de gestão: os corretores ainda gastam boa parte de seu tempo na realização de tarefas secundárias, portanto todo o esforço para agilizar processos por meio de ferramentas digitais permitirá maior foco do relacionamento com os clientes. Para isso, é preciso por um lado educar os clientes para o uso de auto-serviço, otimizando assim o tempo de relacionamento e permitindo aos corretores atuarem em um modelo híbrido de atendimento digital. E por outro, o investimento em treinamento capacitará os corretores a prospectar e construir o relacionamento com novos clientes de forma remota e a manter uma proximidade com clientes existentes.

b. Apoio na geração de leads para os corretores: com a utilização de “advanced analytics” a seguradora pode alavancar a geração de novos negócios, o que ainda é um grande desafio nocontexto brasileiro. Esse processo pode estar atrelado a um programa de fidelização da rede de corretores e de apoio financeiro de longo prazo aos parceiros.

c. Otimizar a rede de atendimento de filiais: os corretores já fazem grande parte de seu relacionamento via canais digitais e também já se sentem preparados para operarem com suporte remoto das seguradoras, portanto as seguradoras tem aí um espaço para reestruturar e digitalizar ainda mais o modelo de atendimento ao corretor, podendo reduzir custos relativos a filiais físicas espalhadas por diversas localidades no país.

2. Explorar novos produtos e serviços No novo contexto, os corretores estão otimistas com a recuperação e esperam por um maior apelo principalmente em produtos de vida e saúde, enquanto o segmento auto deve ser o mais afetado no novo normal. Regionalmente os corretores da região Norte são os mais otimistas, mesmo tendo sido dos mais afetados pela crise.

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Ainda nesse novo normal, espera-se um fortalecimento do relacionamento digital nas vendas, além de maior demanda por novos produtos inovadores. Seguradoras brasileiras que hoje tem portfólio muitas vezes concentrados em poucos produtos, como automóvel, devem repensar sua estratégia em busca de rebalanceamento de seu mix, a fim de se posicionar nos pools de maior valor no futuro.
 

Carlos Fucci é gerente de consultoria das práticas de seguros e digital no escritório do Rio de janeiro.

Christopher Craddock é expert da prática de serviços financeiros na América Latina.

Daniel Leite é sócio associado da prática de seguros e de digital no escritório de São Paulo.

João Bueno é sócio sênior e líder da prática de seguros na América Latina.

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