Bill Ackman é um dos mais respeitados investidores americanos.
Agora está se tornando, também, um dos mais controversos.
Este está sendo um annus horribilis para o gestor, que administra cerca de 15 bilhões de dólares na Pershing Square Capital. Até 31 de outubro, o fundo estava perdendo 19%, enquanto o índice S&P 500 estava praticamente no zero a zero.
Em 2013, Ackman perdeu as calças com sua aposta na rede de lojas JC Penney. A Pershing Square chegou a ter 18% da empresa. Ackman tinha assento no conselho e trouxe, como novo CEO, um alto executivo da Apple. Prometeu reinventar o varejo na loja de departamentos, mas as mudanças foram tão bruscas que assustaram os clientes. A ação implodiu, e os cotistas do fundo de Ackman perderam cerca de 500 milhões de dólares — metade de seu investimento na empresa.
Outro problema foi a aposta que Ackman fez na queda da Herbalife — que ele acusa de ser uma grande pirâmide financeira. O futuro do ’short’ (a aposta na queda do preço) ainda está indefinido: no ano passado, a ação da Herbalife caiu de 77 dólares para 37, mas recentemente se recuperou e já negocia a 55. Para que Ackman tenha lucro, a ação tem que cair abaixo de 35 dólares.
Mas a nova dor de cabeça de Ackman é a farmacêutica Valeant, que implodiu nas últimas semanas sob suspeita de fraude no balanço. (A Pershing Square é o terceiro maior acionista da Valeant, com 5,7% do capital.)
Andrew Left, um investidor que está apostando na queda das ações da Valeant, comparou a farmacêutica à Enron, a empresa de comercialização de energia que manipulava seu balanço e faliu espetacularmente em 2001. Left diz que a Valeant montou distribuidores fajutos, que, ao comprar seus medicamentos, permitem que ela infle suas vendas artificialmente.
Quando a imprensa colocou uma lupa sobre o caso, alguém lembrou que, em março deste ano, a Valeant já estava sendo criticada por Charlie Munger, o lendário sócio de Warren Buffett na Berkshire Hathaway.
O foco de Munger, no entanto, não era uma possível fraude, e sim a ‘moralidade’ da Valeant. A grande crítica dele é quanto à estratégia que a Valeant tem usado para crescer: ela compra patentes de medicamentos existentes e em seguida aumenta os preços, encarecendo os custos do sistema de saúde e ‘extorquindo’ quem depende dos remédios. Numa entrevista à Bloomberg, Munger chamou a prática de ‘profundamente imoral’ e ‘parecida com os maiores abusos das empresas de educação privadas.’
Em março, Munger havia comparado a Valeant com a ITT, uma empresa que cresceu nos anos 60 por meio de uma série de aquisições. No seu auge, a ITT era um conglomerado de mais de 350 empresas, incluindo a rede de hotéis Sheraton e a empresa de aluguel de carros Avis. O problema é que, a cada aquisição, a ITT fazia manobras contábeis para inflar seu valor na Bolsa.
Munger fuzilou: “A Valeant, essa empresa farmacêutica, é a reencarnação da ITT. Não foi moral da primeira vez. E nesta segunda, não está sendo diferente. E as pessoas estão animadas com ela! Eu estou tapando meu nariz.”
Foi nos idos de março que Ackman revelou que havia comprado ações da Valeant. A ação negociava então por algo como 200 dólares. Naquele preço, a posição de Ackman valia 3,9 bilhões de dólares. Ontem, a ação fechou a 78,90 dólares. O prejuizo é monstruoso.
Ontem, azedo com a sangria desatada e cada vez mais irritado com as críticas à Valeant, Ackman reagiu — e de forma nuclear.
“Eu tenho um problema com a posição da Berkshire na Coca-Cola,” disse ele, atacando a gigante na qual a Berkshire é a maior acionista . “A Coca-Cola provavelmente fez mais do que qualquer outra empresa no mundo para criar obesidade e diabetes de forma geral.”
E continuou rasgando o verbo: “Qual é o modelo de negócios da Coca-Cola? É substituir a água que as crianças e os adultos consomem com água açucarada. Ao contrário do que acontece com as empresas de tabaco, não tem um aviso na lata de Coca dizendo, ‘substituir a água na sua dieta por Coca-Cola pode causar danos à saúde’. Então, quando o Charlie diz que a Valeant é uma empresa profundamente imoral, eu responderia isso.”
Muita gente lembrou ontem que talvez Ackman não seja a melhor pessoa para falar de obesidade, já que a Pershing Square é um dos maiores acionistas do Burger King (onde é sócia da própria Berkshire e da 3G Capital) e da Mondelez, que vende balas e chocolates.
Cada vez mais perto de se tornar uma briga de rua, a troca de farpas entre Munger e Ackman é uma dessas raras ocasiões em que a moralidade de um negócio é debatida abertamente, e com reflexo no preço da ação.
Mas infelizmente, este debate sobre moralidade e ética, que poderia ser honesto e proveitoso, não deve ir muito longe.
O que vai sobrar mesmo é a velha pergunta que distingue a caça do caçador em Wall Street: por quanto tempo Ackman vai conseguir manter uma posição tão grande que perde dinheiro a cada dia?
Mesmo com os prejuizos recentes, Ackman está longe de perder seu lugar entre os grandes do mercado. Entre 2004 e 2014, a Pershing Square gerou um retorno total, já líquido de taxas, de 692%. No mesmo período, o S&P 500 subiu 132%.